A TEOLOGIA DIALÉTICA DE KARL
BARTH E SUA REVOLTA CONTRA O
LEBERALISMO TEOLÓGICO
Em 1919, um jovem pastor de uma
pequenina igreja da Suíça escreveu um comentário tão radical que certo escritor
disse que Karl Barth pegou uma carta escrita em grego do primeiro século e
transformou em uma carta urgente para o homem do século vinte. Um teólogo
católico disse que esse comentário aos Romanos foi uma revolução copernicana na
teologia protestante que acabou com o predomínio do liberalismo teológico. Ele
foi, de fato, uma bomba que Barth lançou no cenário teológico contemporâneo.
Diz-se da segunda versão do
comentário aos Romanos, totalmente revisada e publicada em 1921, que ela foi
ainda mais revolucionária que a primeira. Porém, de qualquer forma, 1919 tem
sido para muitos o ponto de partida da teologia contemporânea.
A influência da obra de Karl
Barth nessa nova era da teologia é enorme. Ele transformou a teologia do século
vinte em teologia da crise.
Foi ele quem dominou o ambiente teológico, formulou os problemas e apresentou
as hipóteses de maior relevância, e desde então tem estado no centro da
teologia moderna. Não há nenhuma dúvida de que o pensamento de Barth dominou o
pensamento teológico do seu tempo. Ele produziu um impacto tão grande na
teologia protestante, que todo teólogo do nosso século que quiser estudar
teologia a sério, pode se opor à sua teologia ou acolher suas ideias, mas não
pode jamais ignorá-la se quiser conhecer a situação teológica contemporânea.
O que havia nesse comentário do
pastor Barth que sacudiu os alicerces teológicos do século vinte? Quais foram
os princípios que Barth apresentou e que se converteram no legado de uma nova
era teológica? Harvie M. Conn, aluno do Dr. Cornelius Van Til, esboça alguns
princípios que emanam do comentário de Karl Barth aos Romanos e que parecem ter
desempenhado o papel mais influente na formação das novas variantes teológicas.
Esses princípios serão abordados nos tópicos a seguir.
A REVOLTA TEOLÓGICA CONTRA O LIBERALISMO
TEOLÓGICO FOI UMA DAS MAIS NOTÓRIAS CARACTERÍSTICAS DA TEOLOGIA BARTHIANA
Barth havia aprendido teologia
aos pés de dois grandes teólogos liberais, à saber: Harnack e Herrmann. O Jesus
do mentor de Barth, Harnack, não era o filho de Deus único e sobrenatural, mas
a encarnação do amor e dos ideais humanistas. A Bíblia do mentor de Barth,
Herrman, não era a Palavra infalível de Deus, e sim um livro extraordinário,
ainda que ordinário, cheio de erros e que exigia uma crítica radical para
encontrar a verdade. A medida de toda a verdade era a experiência, o
sentimento. A teologia desses dois mestres e também a de Barth era o idealismo
teológico, caracterizado por uma profunda veia de pietismo e de preocupação
pela prática da experiência religiosa cristã. Em 1919, e com muito mais força
em 1921, Barth se encarregou de repudiar grande parte desse liberalismo
clássico.
A primeira guerra mundial e seus
horrores acabaram por soterrar o idealismo teológico liberal. A culta Alemanha,
a liberal Inglaterra e a civilizada França lutavam como animais ferozes. Nesse
ínterim, os mestres liberais de Barth se uniram com outros teólogos para
declarar seu apoio à Alemanha, o que demonstrou que eles eram mestres de uma
religião atada a uma cultura, e não a Deus. O comentário de Barth aos Romanos
surgiu então como repúdio de seus antigos mestres liberais. O liberalismo fazia
de Deus algo imanente ao mundo; Barth se opôs a isso e apresentou Deus como
“Totalmente Outro”. O subjetivismo do liberalismo do século 19 havia colocado o
homem no lugar de Deus; Barth exclamou: “Seja Deus, e não o homem!”. O
liberalismo havia exaltado o uso aculturado da religião; Bart condenou a
religião como o pecado máximo. O liberalismo edificou a teologia sobre a base
da ética, Barth quis edificar a ética sobre a base da teologia.
O COMENTÁRIO DE 1921 DE BARTH PROPÔS UMA
NOVA IDEIA DE REVELAÇÃO.
Em oposição ao antigo
liberalismo, Barth enfatizou a necessidade que o homem tem da revelação, e
chamou suas ideias de Teologia da
Palavra de Deus. Barth, porém, insistiu na distinção entre a Bíblia
e a Palavra de Deus. Este era seu legado kantiano.
Segundo Barth, pode-se ler a
Bíblia sem ouvir a Palavra de Deus. A Bíblia é simplesmente um livro, mas, pelo
menos, um livro através do qual nos pode chegar a Palavra de Deus. A relação
entre Deus e a Bíblia é real, porém indireta. A Bíblia, diz Barth, “é a Palavra
de Deus enquanto Deus fala por meio dela […] a Bíblia se transforma em palavra
de Deus nesse momento”. Para ele, até que a Bíblia se torne real para
nós, até que ela nos fale da nossa situação existencial, ela não é Palavra de
Deus. Esse é o conceito barthiano de revelação.
A DIALÉTICA DE BARTH, OU TEOLOGIA DO PARADOXO
O comentário de Barth também
introduziu um novo método para explicar a teologia, a dialética. Esse termo
ficou rapidamente associado à obra de Barth, ainda que o método tenha sido
tomado por empréstimo do teólogo existencialista Soren Kierkgaard. Kierkgaard
havia dito que toda afirmação teológica era paradoxal, não podendo ser
sintetizada. O homem devia somente conservar ambos os elementos do paradoxo. É
esse ato de sustentação do paradoxo que Kierkgaard chama de “salto de fé”.
Tal conceito influenciou muito a
teologia barthiana, de maneira que quando preparava o comentário aos Romanos,
Barth afirmava que “enquanto estamos na terra, não podemos fazer outra coisa em
teologia a não ser utilizar o método de afirmação e contra afirmação. Não nos
atrevemos a pronunciar em forma absoluta a palavra definitiva […] O paradoxo
não é acidental na teologia cristã. Ele pertence, em certo sentido, ao coração
do pensamento doutrinário”. A própria natureza da revelação, segundo Barth, é
um paradoxo: Deus é o oculto que se revela; conhecemos a Deus e conhecemos o
pecado; todo homem é escolhido e também reprovado em Cristo; o homem é
justificado por Cristo, mas ainda é pecador. Certo comentarista observou que,
segundo a teologia dialética de Barth, a revelação que vem de cima para o
homem, ao encontrar a contradição do pecado e finitude humana, só pode ser
assimilada pela mente humana como sendo um paradoxo.
O COMENTÁRIO DE BARTH VEIO REAFIRMAR A
TRANSCENDÊNCIA ABSOLUTA DE DEUS
Um dos pressupostos de Barth, que
também é um legado kantiano, é que Deus é sempre sujeito, nunca objeto. Deus
não é simplesmente uma unidade no mundo dos fenômenos; ele é infinito e
soberano, “Totalmente Outro”, e só pode ser conhecido quando nos fala. “Ele não
pode ser explicado como qualquer outro objeto pode ser, apenas podemos nos
dirigir a Ele […] Por esta razão, não cabe à teologia medi-lo em uma forma de
pensamento direto ou unilinear”. Não podemos falar a respeito de Deus. Apenas
falamos a Deus. Segundo Barth, a própria natureza de Deus exige que as
afirmações que lhe dirigimos sejam revestidas de contradição: “Não podemos
considerá-lo perto, a não ser que o consideremos longe”.
Sem dúvida o grande tema de
Barth, em oposição declarada ao liberalismo, foi a “infinita diferença
qualitativa” entre eternidade e tempo, céu e terra, Deus e o homem. Não se pode
identificar Deus com nada no mundo, nem sequer com as palavras da Escritura.
Deus chega ao homem como a tangente que toca o círculo, mas na realidade não o toca.
Deus fala ao homem como a bomba explode na terra. Depois da explosão, tudo o
que resta é uma cratera abrasada no terreno, e essa cratera é a igreja.
O COMENTÁRIO DE BARTH TAMBÉM DEMARCOU A
FRONTEIRA ENTRE A HISTÓRIA E A TEOLOGIA
A teologia do século dezenove se
dedicou a procurar o Jesus histórico por detrás do Cristo sobrenatural da
Bíblia. Os liberais clássicos como o professor de Barth, Harnack, se dedicaram
a buscar nos evangelhos – os quais eles condenavam como não-confiáveis – os
fatos históricos sobre Jesus. Barth asseverou que essa busca é uma busca sem
importância, pois, segundo ele, a revelação não entra na história, apenas a
toca como uma tangente toca um círculo. Segundo Barth, não há nada na história
sobre o que possamos basear a fé. A fé é um vazio preenchido não pela história,
mas pela revelação.
Profundamente influenciado pelos
conceitos de história de Kierkgaard e de Franz
Overbeck, Barth dividiu a história em dois níveis: Historie e Geschichte. Ainda que ambos os
termos possam ser traduzidos por história, no alemão, a conotação que essas
duas palavras têm é bem diferente. Historie
é a totalidade dos fatos históricos do passado, podendo ser comprovada
objetivamente. Geschichte se ocupa
daquilo que une essencialmente, que exige algo de mim e requer meu compromisso.
Segundo Barth, a ressurreição de Jesus pertence ao âmbito de Geschichte, não de Historie. Para ele, o âmbito da Historie de nada vale para o
crente. Jesus deve ser confrontado no âmbito de Geschichte.
Mais uma vez a influência do
pensamento de Immanuel Kant sobre a teologia de Karl Barth, principalmente no
que concerne ao mundo dos fenômenos e dos números é muito grande, podendo-se
até dizer que a teologia contemporânea tem sua raiz em Konigsberg, na Prússia.
Ao longo do desenvolvimento da teologia contemporânea, as ideias kantianas de
fenomenal e numenal “volta e meia” reaparecem com uma nova roupagem. Alguns
tomam o tema e o ampliam, porém sua influência continua sendo grande a ponto de
podermos designar o século dezoito e o pensamento de Kant como protótipo da
teologia contemporânea.
OBJEÇÕES À TEOLOGIA DIALÉTICA DE KARL BARTH
Há, sem dúvida, algumas críticas
que se pode fazer à obra de Barth. Ele mesmo reconheceu alguns de seus excessos
e poliu boa parte dos argumentos que enfatizou a princípio, e até certo ponto,
pode-se dizer que ele suavizou
algumas ideias mais incisivas. O que passo a expor agora, são algumas críticas
que se podem fazer ao pensamento de Barth.
Em primeiro lugar, ainda que as
ideias de Barth representem uma revolta contra o liberalismo clássico, suas ideias
podem ser chamadas de novo
liberalismo. Barth não conseguiu se livrar do ponto de vista
crítico liberal das Escrituras. Por causa dos seus pressupostos liberais, Barth não aceita a inerrância da Bíblia,
chegando mesmo a afirmar que toda a Bíblia é um documento humano falível e que
buscar partes infalíveis nas Escrituras é “simples capricho pessoal e
desobediência”. A inerrância das escrituras é uma das diferenças cruciais entre
o liberalismo e o cristianismo ortodoxo, e o posicionamento de Barth nada mais
é que uma opção por ficar em cima do muro.
Sua ideia de revelação, em última
instância, é puramente subjetiva. Para Barth, a diferença entre a Bíblia como
meramente um livro e a Bíblia como a Palavra de Deus depende exclusivamente da
reação humana frente a este livro. Embora em uma atitude de revolta contra o
liberalismo ele tenha exclamado: “Seja Deus e não o homem”, na prática, dentro
da sua teologia dialética, o homem é entronizado no centro da experiência
religiosa.
O resultado final da dialética de
Barth é a destruição da verdade objetiva. Se toda comunicação histórica e toda
experiência direta com Deus se encaixa em uma concepção pagã de Deus, como
poderemos aproximar-nos da verdade sobre Deus? Também a sua insistência em
descrever Deus como “Totalmente Outro” faz de Deus um ser indescritível. Como
Deus não é um objeto no tempo e no espaço, e visto que a “inescrutabilidade e
recondidez formam parte da natureza de Deus”, o homem não pode conhecê-lo
diretamente, afirma ele. A questão é: se Deus é assim tão indescritível e
insondável, de que maneira o homem pode conhecê-lo?
A separação que Barth faz da Historie e da Geschichte, traz à tona a
problemática concernente à historicidade da obra redentora de Cristo como
fundamento do cristianismo. Ela argumenta na tradição de Nietzche e Overbeck,
separando o cristianismo da história, e ao fazê-lo, acaba por solapar a base do
cristianismo. É claro que o propósito de Barth foi tirar do liberalismo o monopólio
quanto ao método de interpretação, mas ao fazê-lo, também privou o cristianismo
do seu lugar na história.
Ao que vemos, embora a teologia
de Barth tenha sido responsável por uma prática religiosa em que os valores
evidenciam a religiosidade do cristão, ele jamais conseguiu se libertar
completamente do liberalismo teológico de seus mestres Herrmann e Harnack. Ele
revoltou-se contra o liberalismo teológico, argumentou contra ele, mas não pode
livrar-se de seus pressupostos. Tal como Kant, Barth confina Deus ao mundo dos
números e apresenta a dialética – a teologia do paradoxo – como sendo à única
teologia possível. Ele exclui a razão a priori
e deixa a porta fechada à percepção humana.
Sua teologia é de suma
importância para o século vinte e, de fato, quase todo o pensamento teológico
moderno até a década de setenta envolverá a perspectiva de Barth. Podemos
aceitar seus pressupostos ou acirrar-nos contra ele, mas nenhum teólogo de
nossa época poderá jamais ignorar a teologia dialética de Karl Barth e sua influência
no cenário teológico contemporâneo.
A COMPLICADA TEOLOGIA BARTHIANA
É uma teologia
basicamente eclesiástica. Significa que Barth tem a pretensão de estabelecer a
doutrina como sendo a casa onde reside a Palavra de Deus. A Bíblia é muito mais
que apenas um registro onde está a Palavra de Deus. Ela é o depósito onde a
Palavra de Deus se insere e é onde Deus se manifesta ao ser humano. É na
doutrina, pela doutrina e só na doutrina. Então Barth pensa a teologia como
algo positivo no sentido de que é objetivo. Se não for um conjunto de doutrinas
que dê conta de Deus, de forma positiva, objetivamente para a igreja, não há
outro lugar onde Deus se manifeste. Barth, como opositor da teologia liberal,
assume no século XIX, sendo que a teologia liberal assume o século XIX como
limite, por conta de todos os avanços e conquistas da Filosofia no século XIX.
Marx, Nietzsche, Feuerbach... O homem
está preso dentro da cultura. Tanto a teologia liberal como a teologia de
Barth partem desse pressuposto. Mas Barth não usa o século XIX como limite; usa-o,
sim, como limitador da condição humana.
O homem não
pode ir a Deus, mas Deus pode ir ao homem. E para Barth Deus vem ao homem na
teologia, no dogma, na doutrina. Para Barth não é nenhuma operação propriamente
da igreja. A doutrina, a teologia é uma manifestação do próprio Deus. Quase que
a revelação e a doutrina tornam-se uma e a mesma coisa. De modo que ele não
admitia que cada igreja tivesse a mesma doutrina, porque isso denunciaria que a
doutrina é uma atividade humana. A doutrina é quase revelação. Teoricamente não
é a mesma coisa, mas na prática você não consegue separar a Teologia de Barth,
de um lado, e a revelação de outro. Então para ele a igreja de Jesus Cristo –
ele tem quase uma visão católica da igreja – é uma unidade e só tem um acesso a
Deus que é por meio da doutrina objetiva. Resumindo: é uma doutrina positiva,
dogmática e eclesiástica. A única forma de o homem ter acesso a Deus é através
da revelação de Deus.
A TEOLOGIA BARTHIANA TEVE ALGUMA IMPORTÂNCIA NA TEOLOGIA DO SÉCULO
XX, ATÉ MESMO NO PENSAMENTO ATUAL?
A rigor, se não
fosse Karl Barth a teologia, como a gente conhece, tinha se desintegrado no
século XX. Porque a primeira reação objetiva na Europa, em termos de Europa –
nos Estados Unidos o fundamentalismo é o mesmo tipo de resposta. Com o
Romantismo no século XIX, toda a plataforma continental, europeia assume que
não há mais fundamento para a verdade. Daí sairão as ciências humanas: a
antropologia, a sociologia, enquanto pensamento de dar resposta, as únicas
possíveis, a uma sociedade secularizada. Então a teologia liberal caminha por
aí. É um jeito de dialogar com essa modernidade, com apenas Jesus e não o que é
metafísico.
Karl Barth, no
conteúdo, quase volta à Idade Média; na retórica, no modo de argumentação, o
que ele fala parece uma coisa nova, mas no fundo é um retorno à ortodoxia
medieval. Daí por que a teologia barthiana ser chamada também de neo-ortodoxia.
A teologia dialética de Barth é também chamada de neo-ortodoxia por conta
disso. É um retorno no que havia sido, teoricamente, superado pelo século XIX.
Então tudo que se fizer no século XX em teologia com base no modo como a gente
a concebe, ou seja, uma teologia com base em Niceia em que o modelo dogmático,
o conteúdo – mais do que o modelo dogmático de Niceia – está presente, como
ponto de fundamento está Karl Barth. Seja Pannenberg, seja Multmann, seja
Bultmann, seja Tillich; de algum modo eles estão articulados na estrada de Karl
Barth. Uns são muito diferentes de Karl Barth, apesar de a gente só poder fazer
duas separações: ou você é barthiano ou você é liberal. Neste aspecto o
espectro em torno de Barth ele é bem amplo, chega ao ponto de um Bultmann que
quase dissolve o dogma em sacramento homilético, a pregação é o sacramento de
Bultmann ou em Tillich que ele quase dissolve a doutrina numa experiência
filosófica mediada pela cultura, mas ainda assim a vinculação do pensamento
cristão – com o núcleo tradicional de Niceia. Mesmo conteúdo da fé de Lutero.
As experiências de lidar com essa fé vão ser alteradas. Mas o conteúdo dessa fé
vai permanecer. Então sem Barth é impossível você pensar o século XIX.
Quando ele foi
sepultado em 1963 quem fez a pregação no cerimonial do sepultamento dele foi
Hans Kung, teólogo católico. E na época Hans Kung dizia que finalmente havia
nascido, apesar de ele estar morrendo – depois que você morre muito maior é o
seu impacto – um homem que era capaz de juntar os dois cristianismos: o
cristianismo protestante e o cristianismo católico. O cristianismo católico
quanto da ênfase de Barth na unidade, na positividade, no fato de ele não
tolerar uma igreja que se rasgasse, que se dividisse; e protestante por conta
do vínculo dele com a Bíblia. Ele fazia todo esse discurso passar pelo funil da
Bíblia. Ainda que a Bíblia acabasse se tornando, em última análise, um depósito
positivo, não hermenêutico, da Palavra de Deus, da Revelação de Deus. Daí uma
das consequências da teologia de Barth é a teologia hermenêutica de Ebering,
porque eles perceberam que Barth considerava que a igreja era quase um ouvido
sem nenhuma participação no processo de interpretação. Você, ele, eu, nós não
interpretamos, não interagimos com a Escritura, nós recebemos passivamente a
doutrina.
O elemento
sacerdotal está muito presente na fala de Barth, como se o clero, o pastor, ele
fosse um intermediador da doutrina positiva. Mas com isso a Bíblia se torna
mero objeto de manipulação, ou seja, ela não tem participação efetiva no
processo, apesar de que se considera a teologia na palavra de Deus. O paradoxo
é que esta palavra quase se desintegra, a doutrina engole a Palavra. Já a
teologia em si mesma pressupõe que a Palavra não é fixa, ela é dinâmica, então
há uma necessidade de um processo de interpretação e esse processo de
interpretação acaba conspirando um pouco com a positividade da doutrina. Tem
esse paradoxo e Hans Kung percebeu que Barth juntava os dois aspectos.
O problema
protestante essencialmente é de que a Bíblia é o fundamento, mas há a vertente
católica da unidade, da positividade da doutrina.