UM POUCO DE PÉ NO CHÃO PARA NÃO
COLOCAR O PÉ NA JACA...
Após tantos anos
militando na área do ensino, cheguei à conclusão que só não se aprende quando
não se quer aprender. A rejeição pelo «novo ensino» está fundamentalmente
ligada à linguagem diferente, porque toda linguagem traz consigo uma
ideologia.
Aqui está o maior
problema de não se querer aprender. É que, o que se ouve, não bate com o que se
está «acostumado a ouvir» ou com o que se «aprendeu». Na verdade, nós só nos
interessamos por aquilo que chama a nossa atenção, isto é, aquilo que aceitamos
como certo; aquilo que tem a ver com o que aprendemos (o compreendido) como
verdade.
A rejeição de um
ensino não está no modo de falar de alguém, mas sim no conteúdo que ele traz ao
falar, e também por conta do modo que se quer ouvir alguém falar. Logo, ouvir
de outro modo não é aceito.
Não preciso ser mais
explícito sobre o que estou querendo dizer. Estou afirmando que algumas pessoas
não aceitam um tipo de linguagem que não seja nos padrões religiosos, porque
não bate com aquilo que sempre foi aceito como certo. Pessoas que pensam assim
estão numa prisão mental, que é a pior de todas elas, e não sabem. Esta recusa
despropositada de não aceitar a «nova linguagem» é em face de que os brios dos
ouvintes são confrontados e por conta
de eles
quererem ouvir só do seu jeito. É em razão disso que quando é feita aplicações
morais esdrúxulas, a partir de um texto narrativo, essas mesmas pessoas dizem
que ouviram a mais linda mensagem.
Está explicado por
que Jesus pergunta aos ouvintes sobre a razão de eles rejeitarem sua mensagem:
«Por
que não entendes a minha
linguagem?»
O contexto no qual
Jesus diz essas palavras é meio adverso e violento. Ele está diante de fariseus
mal-amados, raivosos, ardilosos, religiosos perversos, cruéis, os quais veem
Jesus como adversário. Por isso mesmo estão completamente fechados para o que
Ele [Jesus] fala.
O que está
acontecendo nesta narrativa é simplesmente o que ocorre em muitos auditórios
religiosos.
A razão de eles não
entenderem os ensinamentos de Jesus, não é porque Jesus falava difícil, usando
retóricas elevadas ou por conta de um sermão complicado. Não. Absolutamente.
O fato real da não
compreensão desses ouvintes em relação à linguagem usada por Jesus é que
eles decidiram não lhe darem ouvidos.
Eles não compreendem
Jesus porque não prestam atenção no que Ele ensina, pelo fato de não aceitarem
qualquer mudança que o homem de Nazaré propunha através de seus ensinamentos.
Eles não compreendem
Jesus em razão de não desejarem ter um olhar novo sobre si mesmos e sua prática
religiosa. Mais: os ensinos de Jesus eram opostos a tudo que eles defendiam.
Eles não compreendem
Jesus porque sabem que a linguagem de Jesus é linguagem de confronto,
enfrentamento, desafio, emparedamento da própria existência no sentido de
exigir dela mudanças radicais, revolucionárias.
Eles não compreendem
a linguagem de Jesus, porque para compreendê-la é preciso decisão, conversão,
saída de um estado existencial engessado para uma conversão ininterrupta e
permanente.
Eles não compreendem
a linguagem de Jesus, porque o que Jesus ensina ameaça sua comodidade, sua
segurança, sua maneira religiosa de viver.
Eles não compreendem
a linguagem de Jesus porque não querem perder certos prazeres e privilégios;
porque não querem se engajar ao projeto desafiador do Mestre da Galileia, que
propõe vida desinstalada, dependente, ameaçada, cheia de emoções mas com muito
sofrimento.
Eles não compreendem
a linguagem de Jesus, porque se trata de algo complicado para o religioso, que
vive de coisas fixas, rígidas, quadradas, controladas.
Eles não compreendem
a linguagem de Jesus, porque ele não fala como os religiosos da sua época, os
quais se expressam de forma opressora, colocando jugo e carga pesada sobre o
povo que eles mesmos não conseguem carregar.
Eles não compreendem
a linguagem de Jesus, porque é linguagem que, primeiramente, liberta a mente, a
consciência, o homem das correntes de um religiosismo que mais oprime que
liberta.
Eles não compreendem
a linguagem de Jesus, porque querem um evangelho que dá o controle das almas
nas mãos dos mais santarrões, contra os quais Jesus combateu e ainda os chamou
de «serpentes, cobras venenosas».
Eles não compreendem a linguagem de Jesus, porque gostam de viver debaixo do «cinto
do pai», que é uma forma de compensar as suas práticas pervertidas.
A bem da verdade, as
exigências que os ensinamentos de Jesus fazem a nós, religiosos, nos tiram da
zona de conforto, da comodidade e nos levam a fazer revisão constante da nossa
caminhada.
Há uma coisa
extremamente sutil e diabólica que se instaurou nos meios evangélicos, hoje,
para explicar a ausência de pregadores que não seguem o senso comum dos nossos
púlpitos, pois pregam mensagens opostas a tudo quanto a turba multa gosta de
ouvir. Geralmente, esses são chamados de «pregadores-que-não-têm-linguagem-para-o-povo».
Esta pecha colocada sobre os «pregadores-que-não-têm-linguagem-para-o-povo»
tem por objetivo submetê-los a um «princípio de restrição». Só que isso é uma
enorme mentira. O que está por trás destes «condicionamentos» nos quais são
submetidos tais pregadores é, de fato, o medo por suas mensagens libertadoras.
«E conhecerei a verdade, e a verdade vos libertará» (João 8:32)
Não faz muito tempo,
estive pregando numa igreja e, ao terminar, já estava entrando em meu carro,
quando fui abordado por dois jovens que, meio que perplexos, me disseram:
«Pastor, o senhor precisa vir mais
vezes aqui. Nós
nunca ouvimos esse tipo de mensagem!».
A que tipo de
mensagem eles se referiam? Eles estavam falando, sem saberem, da linguagem que
eu usei: A linguagem da libertação.
Aquelas pessoas
foram, de alguma forma, desafiadas pelo poder da Palavra. O que eles estavam
realmente tentando dizer é que nunca ouviram aquele tipo de linguagem no
púlpito de sua igreja.
Portanto,
a não compreensão da linguagem de Jesus não está na quantidade de palavras
difíceis que Ele usava, nem na sua comunicação austera, mas sim pela razão de
que suas mensagens promoviam embaraços para os fariseus que acostumavam o povo
a meias verdades; o ensino de Jesus gerava desafios perturbadores em relação à
verdade, aos maus hábitos, ao lado corrupto da prática religiosa. «Se, pois,
o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres», disse Jesus. (João
8:36)
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