Há um «jesus» popularizado pela religião que nem Jesus conhece.
A informação acima
não é nova quando se trata de Cristologia. Os cristos caricaturados,
fisiculturados nas telas de nossas tvs, nos filmes, na literatura e nas próprias
apresentações que as igrejas fazem da imagem de Cristo alguma coisa que não
bate com a revelação das Escrituras. O resgate da imagem perdida do Jesus das
Escrituras é o desafio-tarefa deste trabalho.
O «jesus» QUE NEM JESUS CONHECE
O Jesus dos
evangelhos nunca desejou criar uma religião, outra religião, uma religião
verdadeira ou mais uma religião. Na verdade, os primeiros cristãos foram
chamados «os do caminho». A razão é simples: Jesus se preocupava com a
vida, o perdão, o amor, elementos que humanizam o homem, alvo de sua pregação.
Paradoxalmente, a mensagem de Jesus, no primeiro século, soou como uma
mensagem SECULAR dentro de um mundo possuído pela RELIGIÃO.
Precisamos
recordar que os primeiros cristãos eram chamados de ateus, por não
adorarem as divindades ali existentes. Isto posto, mais uma vez o desafio é
colocado para nós. Portanto, ou humanizamos a nossa mensagem com vistas a
alcançar o homem, ou vamos perder a grande chance de transformar o homem
religioso em apenas um ser humano, pois a tendência do «homem religioso» é
separar-se do «homem comum», mas o «homem-simplesmente-humano» consegue se
aproximar do homem comum, sem nenhum tipo de preconceito e pré-julgamento.
Perguntaram uma
vez a um grande professor de teologia sobre o que ele achava da sociedade
humana que, mesmo vivendo no século XXI, ainda se deixava influenciar pelo
fanatismo e fundamentalismo. Sua resposta foi precisa: «Eu é que pergunto:
‘Como podem existir pessoas que pensem diferente disso tudo que está aí e que é
tão comum a todos os homens, num mundo tão cheio de fundamentalismo e
fanatismo’?»
A lembrança de Jesus
não é uma tentação de historicismo, uma espécie de saudade do passado, mas uma
necessidade para assegurar a autenticidade do querigma. Sem um retorno ao
passado para encontrar o próprio fundamento, a cristologia se dissolve,
tornando-se mera eclesiologia, simples pneumatologia ou uma inexpressiva
antropologia. O Evangelho dos evangelistas é uma proteção para o evangelho do
querigma. O Jesus da história impede o Cristo proclamado de tornar-se um mito,
uma gnose, uma ideologia. A referência a Jesus protege o querigma da ameaça
do subjetivismo.
É preciso desmistificar,
entre outras coisas, a forma cúltica de apresentação de um Cristo de fabricação
humana, personagem da alegria dos homens. O «Jesus histórico» que foi trocado
pelo «Cristo da fé», absolutamente mediocrizado e devorado por uma religião
mercadológica e consumista, precisa voltar as telas humanas. Conquanto entendamos
que os contornos histórico de Jesus, às vezes recheados de especulação,
quase sempre não batam com os sentidos dados ao «Cristo da Fé» pela nossa
frágil dogmática, não há como separar o «Cristo da fé» do «Jesus histórico». Segundo
a opinião de diversos teólogos e cientistas da religião, as duas coisas podem
muito bem se harmonizar, sem que precisemos anular a prova histórica dos evangelhos,
mesmo com todos os retoques teológicos, românticos que sabemos existir.
O
QUE FIZERAM COM JESUS
Quem lê os
evangelhos de Jesus, segundo a ótica de Marcos, Mateus e Lucas, há de refazer
toda a sua ideia acerca daquele que foi chamado Filho de Deus, Filho do Homem,
Jesus Cristo, Jesus de Nazaré, Salvador, Senhor, Filho do Altíssimo, Emanuel,
Filho de Davi...
A bem da verdade, as interpretações que a Igreja, ao longo
desses dois milênios, veio fazendo acerca de Jesus, foram descaracterizando o
simples carpinteiro da Galileia. Constantino, imperador romano, por exemplo,
cria a famigerada «Teologia do Cristo-Rei», uma reinterpretação do ambiente
social em que Jesus viveu com seus pais e parentes. Nesta visão, a manjedoura é
substituída por uma recâmara real; José e Maria viram membros da realeza; os
trapos em que Jesus foi envolvido tornam-se roupas reais. A partir desta ideia,
Jesus vai sendo afastado do homem comum e ganhando feições magníficas,
majestáticas, augustas. A simplicidade do Filho de Deus é modificada por
imagens pujantes, grandiosas, pomposas. Ao final, Jesus é cooptado pelo
religiosismo que Ele deu a sua vida para combater. Passa a censurar, rejeitar,
julgar, incriminar, sentenciar, condenar o homem, alvo do seu amor, quando Ele
veio, segundo os evangelhos, para perdoar pecados, salvar, libertar e anunciar
as boas novas. Não nos esqueçamos que «o machado» estava nas mãos de João, o
último a fazer como os profetas do Antigo Testamento, nas mãos de Jesus estava
o amor, a misericórdia, a graça e a promessa de jamais «torcer a cana esbagaçada» e «apagar
o pavio que ainda fumega».
Sem conhecer o Filho de Deus, segundo os evangelhos, nossa
noção de certo e errado, verdadeiro e falso, santo e profano se perde na mais
profunda escuridão do fanatismo religioso.
Não é possível ver o Jesus dos evangelhos sendo apresentado da
forma mais intolerante, intransigente pelas igrejas atuais. Um Jesus que se
transforma num xerife perseguidor, sempre atrás das portas para nos pegar em
erros recorrentes e nos condenar. Um Jesus que só pensa em descobrir pecados
ocultos nos homens; um Jesus sem o mínimo de critério para julgar cada caso. Um
Jesus que depende mais de quem o interpreta do que de si mesmo. Este
verdadeiramente é o «jesus» que nem Jesus conhece.
Não precisamos tanto de intérpretes de Jesus quanto
precisamos de quem se arrisque a viver os desafios que Ele deixou de exemplos
para serem imitados.
Σ 'Αυτόν, ο Ιησούς, είναι η δόξα στους αιώνες. Αμήν.
Rev. Paulo Cesar Lima.
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