sábado, 25 de abril de 2015

TRAÍDOS PELA PRÓPRIA TRAIÇÃO



TRAÍDOS PELA PRÓPRIA TRAIÇÃO



 «Na noite em que foi traído, tomou o pão...» (1 Co 11. 23).

Alguns homens lutam a luta da vida com uma queixa­da de jumento; outros lutam com funda, espada, cajado; alguns preferem carros, cava­los, lanças, escudos, exército; e há aqueles que lutam com o que têm nas mãos. Jesus foi o único que enfrentou o pior momento da sua história – a traição – com um pão partido nas mãos.

A traição é uma das experiências mais dolorosas, sofridas, doídas, angustiantes que um ser humano pode passar em toda sua vida; é uma marca que adesiva uma existência; ela dói muito porque quem a comete é, geralmente, alguém muito próximo, acima de qualquer suspeita, sua proximidade é da distância de um abraço amigo, solidário e confidente; o que trai é sempre alguém de quem esperamos lealdade, sinceridade, verdade e honra. A traição, comumente, advém de coração invejoso, magoado, so­litário, infeliz, mal resolvido.

Quem trai o faz porque ama um amor não correspondido, negado, distante... O que o traidor ama, de fato, é a imagem, o símbolo, a representação.

Falando de traidores e amigos de verdade, disponibilizo, abai­xo, algumas diferenças entre o traidor e o amigo. Senão, vejamos:

 1. O traidor «carrega» segredos, mas não aguenta e trai; o amigo «guarda» o sagrado e jamais se presta à infidelidade.

2. O traidor, com o passar do tempo, transforma-se em justiceiro; o amigo faz da amizade o seu escudo de justiça.

3. O traidor coleta informações para utilizá-las contra o amigo; o amigo não trabalha com provas e nem se vale disso para se garantir.

4. O traidor beija e trai; o amigo pelo fato de não trair é beijado pela honra e pela gratidão.

5. O traidor, mesmo consciente da sua insensatez, segue o seu destino que é trair; o amigo é amigo porque a sua essência, o seu dever, o seu querer, o seu estado normal é esse.

6. O traidor acena com as mãos, abraça, faz-se solícito em todas as tarefas, mas o veneno da traição, que está no seu co­ração, é mais forte do que ele mesmo; o amigo, ao contrário, isola-se de cenas ostensivas e prefere o anonimato ao estrelato.

7. O traidor é impulsivo porque ele sempre acha que está fazendo um bem para a humanidade ao trair; o amigo não quer ser mais nada a não ser amigo.

8. O traidor não admite que o seu «amigo» cresça tanto que termine ficando longe dos seus domínios; para o amigo é melhor que o outro cresça e que ele diminua.

9. Traidor é alguém sem honra, dignidade, amor próprio, brio, respeito a si mesmo, honestidade, decência; amigo não abre mão de valores fundamentais para manter sua amizade.

10. O traidor é capaz de debulhar, desnudar a vida de quem diz que respeita; o amigo, por sua vez, está sempre cobrindo, à semelhança de Sem e Jafé, a nudez daquele que é alvo do seu respeito e carinho.

Conclusão:

A cada dia que passa entendo mais a direção do Senhor para a Catedral da Assembleia de Deus em Jardim Primave­ra. Há uma crise de integridade em nossa região; as pessoas andam confusas com tantas vozes e promessas, mas sem ne­nhuma consistência. Nestes onze anos de pastorado à frente da Catedral em Jardim Primavera, Deus está preparando a igreja para ser um modelo de Comunidade de Jesus em meio a tan­tas que existem ao nosso redor e mostrar que é possível viver Mais Jesus e Menos Religião com o mínimo de esforço ético. Só assim abandonaremos de vez a mesquinhez evangélica para nos apegarmos a uma visão mais abrangente e revolucionária. Esse é o nosso lema: «Estamos ocupados fazendo uma grande obra; de modo que não podemos descer».

Termino esta pequena reflexão com as palavras encontradas em provérbios:

«O fruto do justo é árvore de vida, e o que ‘ganha almas’ [= o que faz um amigo] é sábio» (Provérbios 11.30).

Rev. Paulo Cesar Lima. 

quinta-feira, 23 de abril de 2015

A VAIDADE DA HUMILDADE EXTREMA


A Vaidade da Humildade Extrema 

Algumas pessoas ainda insistem em avaliar a vida de alguém pelo seu lado comportamental. Só que, sabemos, o comportamento pode ser maquiado, estereotipado, representado, configurado de diversas maneiras. A humildade não deve ser vista com esses óculos superficiais. A humildade é uma virtude teologal que se espraia na mais fina e tênue linha de subjetividade e descrição, mas que pode ganhar contornos extremamente vaidosos. Para ilustrar o que eu estou tentando dizer, trago o exemplo de dois grandes campeões no quesito humildade:  Francisco de Assis e Santo Antão. 



FRANCISCO DE ASSIS
 

Francisco de Assis, um dos homens considerados mais humildes pela história, funda uma ordem pobre, dedica-se inteiramente a humildade e, perto do fim da vida, no século XIII, ele se sente depressivo, porque a Ordem que ele fundou pobre já estava enriquecendo a olhos vistos. A ordem que ele criou sem posse nenhuma já estava com bibliotecas. E ele entrou em depressão. “O que adiantou tudo que eu fiz. Eu me dediquei à pobreza absoluta”, diz ele. 



É o homem que vai morrer deitado no chão, pedindo desculpas ao seu corpo, pelos maus tratos. E ele vai visitar uma amiga, Clara de Assis, e Clara lhe diz: “Falta-lhe o último nível de humildade a ser alcançado. Falta você abrir mão do seu legado e da sua obra. Falta você dizer que o que você fez pertence ao futuro e aos outros e não a você”. E quando Francisco entende isso, ele fica muito alegre, porque ele abriu mão de toda a riqueza do pai Pedro Bernardoni, abriu mão de toda a luxuria, mas teve a vaidade de supor que tinha fundado a Ordem mais pobre de toda a história da igreja. E, quando ele entende através da sua amiga Clara que nem o futuro lhe pertencia, ele fala sua última frase: “Peçam ao Pai para ajudá-los com a sua!” Esticou-se no chão duro e encerrou sua existência. Ali, naquele chão duro, foi feita uma capelinha e depois um imenso templo ao redor.  


Essa vaidade final de Francisco de Assis é a vaidade da humildade extrema.


SANTO ANTÃO



Santo Antão foi tentado pelo demônio por 105 anos. Após todo esse tempo, satanás chegou para Antão, seu alvo de tormento, e disse: “Você venceu. Pela primeira vez na história um humano foi mais forte do que eu”. Ao dizer isso foi-se retirando da caverna. Antão cai de joelhos e faz uma oração simples e diz para Deus: “Obrigado, Senhor, pois, agora, eu me tornei um santo!” Satanás escutou as palavra de Antão, sorriu e voltou a tentá-lo novamente. Este homem venceu praticamente todas as tentações, mas não conseguiu vencer uma: a vaidade de ser santo. Isto mostra que, no fundo, a mulher virtuosa, fiel, o homem dedicado, o filho exemplar, cometem o pecado de dizer: “Eu não sou como a adúltera, como o infiel, ou como filho rebelde”. Como diz o professor Leandro Karnal: “Por trás de cada virtude há uma exuberância que se aproxima do vício”. Ou seja: a maior de todas as vaidades é quando eu começo a amar as minhas virtudes. 



Rev. Paulo Cesar Lima.