sábado, 21 de abril de 2018

A PATOLOGIZAÇÃO DO NATURAL


A PATOLOGIZAÇÃO DO NATURAL
Texto: Filipenses  2:5-11.

INTRODUÇÃO: 

Nos memoriais dias da minha infância pentecostal, não faltaram elementos toscos que se somaram dia após dia às minhas experiências. Um dos que mais marcaram esta primeira fase da minha vida cristã foi a forma como tratavam as coisas naturais, normais da vida. Perseguia-se o mais comum do comportamento humano, rotulando-o como pudico e atentatório à santidade. Por exemplo, o riso, uma das coisas naturais da vida, era tratado como escárnio, desdém, zombaria, um pecado que poderia nos privar do paraíso. Era um retorno ao século XVII, onde o riso era posto no índex de proibições.

Parece que eu estou me vendo dentro do carro de um missionário sueco, vindo de um culto numa casa. A alegria que vivemos naquele culto foi tamanha que eu voltei extravasando minha felicidade assoviando um hino. De repente, o missionário parou o carro e MANDOU eu descer do carro. Eu não estava entendendo nada. Tive que vir caminhando uns 5 quilômetros a pé, à noite, porque o missionário se sentiu ofendido com o meu assobio. Isso é patologização do natural.

Eram tempos – isso ainda acontece – em que o acento da salvação recaía sobre o comportamento humano e não sobre a morte vicária de Jesus pelo homem. Daí por que patologizava-se qualquer manifestação de alegria, felicidade, que não fosse dentro de uma entourage evangélica. Você não podia ser espontâneo. Tinha que vigiar seu «lado humano» 24 horas por dia. A obrigação da virtude era severíssima. Portanto, quanto mais sisudo, sério, austero, severo, rijo, você fosse, mais você era considerado santo.

O lado humano era completamente desprezado, odiado, rejeitado. Buscava-se estar na dimensão espiritual o tempo todo. Eles não deixavam que a gente fosse humana.

A consequência disso é uma tragédia. O comportamenta- lismo toma conta do vivencial, e passa a ser referência e não apenas um apêndice da vida. Quando temos que ser divinos o tempo todo, por conta de injunções, estamos deixando de viver o lado mais bonito da vida.

É como disse certa bióloga: “Devíamos comer coisas vivas, mas nós nos acostumamos a comer coisas mortas. Hoje, só comemos coisas mortas!”
Estamos vivendo um evangelho baseado na morte do nosso lado humano; não fomos ensinados a viver o humanamente humano que há em nós. Precisamos ler mais sobre a vida de Jesus nos evangelhos, a fim de nos acostumarmos a viver mais a vida de Jesus do que a sua morte.

Eu desejaria que você visse o filme “O homem que viu o infinito”. É a história de um homem-gênio em matemática. Mas por ser indiano, foi preterido pelos grandes estudiosos de matemática de Oxford. Ele conseguia fazer cálculos matemáticos impossíveis de serem resolvidos. Morreu de tuberculose, porque passava frio e fome, residindo do lado de fora da universidade, onde não havia calefação. 

Ele era bom no que fazia, porque aprendeu com as metáforas da vida cotidiana. Ele era um homem tão sensível que ele conseguia ver e calcular todos os elementos que contêm num grão de areia.

Tornamo-nos rígidos e deuses inumanos, porque deixamos a religião tirar de nós o lado humano. O que somos, hoje, não sei. Mas precisávamos fazer meia volta para sermos novamente humanos cheios de fé em Deus. Que Deus faça de nós humanos humanamente humanos. 

A TALIBANIZAÇÃO DA VIDA CRISTÃ

No livro «Caçador de pipas», de Khaled Hosseini, Amir pergunta ao pai de seu amigo Hassan, que fora morto, por que ele não ficou na sua cidade natal, invadida pelos talibãs? – pergunta Amir. Ao que o pai de Hassan responde: «Eles [os talibãs] não deixam que a gente seja humano».

Parece-me que este é o problema de algumas denominações evangélicas, ainda hoje: elas não deixam que a gente seja simplesmente humano. Isto porque toda religião fundamentalista é levada ao extremo de achar-se guardiã de Deus e de seus mistérios. Com isso, viram capatazes do divino e pessoas extremamente duras, severas, rigorosas, inclementes.

Algumas igrejas fizeram a pior coisa que poderiam fazer com o ser humano: o desumanizaram.

Esta é uma regra fundamental que dela não podemos nos distanciar: espiritualidade não tira de nós o nosso lado humano, mas sim o aperfeiçoa. Conversão não retira o nosso lado humano, mas nos devolve. Portanto, quanto mais você se humaniza, no bom sentido da palavra, mais espiritual você se torna.

Quanto mais você perde o seu lado humano, mas inclemente você se torna. O pior carrasco dos outros e de si mesmo é o humano que se acha santo.

O que faz uma igreja ser grande? Resposta: É quando os seus membros se tornam simples seres humanos em vez de santos inacessíveis.

Quando uma igreja se patologiza a primeira coisa que acontece é ela tornar pecaminosa toda e qualquer expressão de espontaneidade, naturalidade. Vai de um assobio a um riso natural. A talibanização da igreja proíbe que sejamos simplesmente humanos.  

CONCLUSÃO:

A referência teológica sobre o assunto encontra-se na epístola paulina aos filipenses. O apóstolo diz: “... e, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas ESVAZIOU-SE (Kenosis), tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz”.

O que Paulo está dizendo, em outras palavras, é que ser divino é o que todo humano deseja. Mas o único que era/é divino e abriu mão da sua divindade foi Jesus. Ora, convenhamos, se o Filho de Deus se tornou humano, por que nós, meros seres humanos, queremos nos tornar divinos?

Este é o maior desastre da religião: não deixar que as pessoas sejam simplesmente humanas. Parte superior do formulário

Autor: Rev. Paulo Cesar Lima

sexta-feira, 6 de abril de 2018


O PRIMEIRO A INAUGURAR O PARAÍSO PRECONIZA O ATO MAIS ABSURDO PROMOVIDO PELA GRAÇA DE DEUS


Lucas 23:39-43: «Um dos criminosos que ali estavam dependurados lançava-lhe insultos: ‘Você não é o Cristo? Salve-se a si mesmo e a nós!’ Mas o outro criminoso o repreendeu, dizendo: ‘Você não teme a Deus, nem estando sob a mesma sentença? Nós estamos sendo punidos com justiça, porque estamos recebendo o que os nossos atos merecem. Mas este homem não cometeu nenhum mal’. Então ele disse: ‘Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu Reino’. Jesus lhe respondeu: ‘Eu garanto: Hoje você estará comigo no paraíso’.»

INTRODUÇÃO

O homem que está ao lado de Jesus na cruz e que recebeu do homem de Nazaré a palavra de perdão e a quem o Filho de Deus garantiu o direito de entrar no paraíso, não é um santo, nem tampouco um referencial moral nem um dos seus discípulos. Trata-se, para a tristeza dos fariseus, de um ladrão. Só que este ladrão levanta-se, primeiramente, como o maior absurdo realizado pela graça de Deus; em segundo lugar, este ladrão levanta-se como símbolo, emblema, referencial, modelo do absurdo que a graça de Deus pode realizar em detrimento de regras, normas e códigos de conduta.

Este fato me faz pensar a graça de Deus sob pelo menos três aspectos:

1. A graça não deixa o homem, mesmo o mais santo e imaculado, roubar a cena na história da salvação. Nós não somos aceitos por Deus porque somos certinhos e por conta de uma santificação invejável. É a misericórdia de Deus que nos faculta entrarmos no paraíso, pois «santo não é aquele que nunca se suja, mas aquele que sempre se lava, quando se suja».

2. Até a última hora das nossas vidas o que prevalece como elemento legitimador da nossa entrada no paraíso é o ato expiatório de Jesus, e mais nada: «Há uma dúzia de pessoas que querem colocar só gente perfeita no Paraíso. Jesus fez ao contrário. Inaugurou o Paraíso com um ladrão».  

3. A salvação do ladrão da cruz nos abre os olhos para dois fatos inusitados que ocorrem na vida: a) não é a nossa bondade e espiritualidade que contam quando nos apresentamos diante de Deus, mas sim a bondade do Senhor Jesus como doador da vida a todos nós e b) devemos ser lembrados por Jesus como alguém que reconhece sua missão libertadora, reconciliadora, perdoadora e como o único que pode nos levar ao paraíso.   

CONCLUSÃO:

Com esta mensagem eu entendo que nada é mais importante na vida do que o reconhecimento da nossa incapacidade de agradar a Deus. O evento do ladrão que foi perdoado na cruz nos livra de nós mesmos quanto à pretensão de roubar a cena na construção da salvação. Isto porque salvação não é algo que eu auto patrocino amesquinhando-a com um estilo de vida. Ninguém pode querer ser melhor do que realmente é. Melhor é dizer como o ladrão que foi perdoado na cruz: «Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reino...». 

Termino com a frase que mais me tocou até aqui neste ano de 2016:

«Há algumas dúzias de milhares de pessoas que querem colocar só gente perfeita no Paraíso. Jesus fez ao contrário. Inaugurou o Paraíso com um ladrão».  


Rev. Paulo Cesar Lima

UM POUCO DE PÉ NO CHÃO PARA NÃO COLOCAR O PÉ NA JACA...


UM POUCO DE PÉ NO CHÃO PARA NÃO COLOCAR O PÉ NA JACA...


Após tantos anos militando na área do ensino, cheguei à conclusão que só não se aprende quando não se quer aprender. A rejeição pelo «novo ensino» está fundamentalmente ligada à linguagem diferente, porque toda linguagem traz consigo uma ideologia.
Aqui está o maior problema de não se querer aprender. É que, o que se ouve, não bate com o que se está «acostumado a ouvir» ou com o que se «aprendeu». Na verdade, nós só nos interessamos por aquilo que chama a nossa atenção, isto é, aquilo que aceitamos como certo; aquilo que tem a ver com o que aprendemos (o compreendido) como verdade.
A rejeição de um ensino não está no modo de falar de alguém, mas sim no conteúdo que ele traz ao falar, e também por conta do modo que se quer ouvir alguém falar. Logo, ouvir de outro modo não é aceito.
Não preciso ser mais explícito sobre o que estou querendo dizer. Estou afirmando que algumas pessoas não aceitam um tipo de linguagem que não seja nos padrões religiosos, porque não bate com aquilo que sempre foi aceito como certo. Pessoas que pensam assim estão numa prisão mental, que é a pior de todas elas, e não sabem. Esta recusa despropositada de não aceitar a «nova linguagem» é em face de que os brios dos ouvintes são confrontados e por conta de eles quererem ouvir só do seu jeito. É em razão disso que quando é feita aplicações morais esdrúxulas, a partir de um texto narrativo, essas mesmas pessoas dizem que ouviram a mais linda mensagem.
Está explicado por que Jesus pergunta aos ouvintes sobre a razão de eles rejeitarem sua mensagem:

«Por que não entendes a minha linguagem?»

O contexto no qual Jesus diz essas palavras é meio adverso e violento. Ele está diante de fariseus mal-amados, raivosos, ardilosos, religiosos perversos, cruéis, os quais veem Jesus como adversário. Por isso mesmo estão completamente fechados para o que Ele [Jesus] fala.
O que está acontecendo nesta narrativa é simplesmente o que ocorre em muitos auditórios religiosos.
A razão de eles não entenderem os ensinamentos de Jesus, não é porque Jesus falava difícil, usando retóricas elevadas ou por conta de um sermão complicado. Não. Absolutamente.
O fato real da não compreensão desses ouvintes em relação à linguagem usada por Jesus é que eles decidiram não lhe darem ouvidos.
Eles não compreendem Jesus porque não prestam atenção no que Ele ensina, pelo fato de não aceitarem qualquer mudança que o homem de Nazaré propunha através de seus ensinamentos.
Eles não compreendem Jesus em razão de não desejarem ter um olhar novo sobre si mesmos e sua prática religiosa. Mais: os ensinos de Jesus eram opostos a tudo que eles defendiam.
Eles não compreendem Jesus porque sabem que a linguagem de Jesus é linguagem de confronto, enfrentamento, desafio, emparedamento da própria existência no sentido de exigir dela mudanças radicais, revolucionárias.
Eles não compreendem a linguagem de Jesus, porque para compreendê-la é preciso decisão, conversão, saída de um estado existencial engessado para uma conversão ininterrupta e permanente.
Eles não compreendem a linguagem de Jesus, porque o que Jesus ensina ameaça sua comodidade, sua segurança, sua maneira religiosa de viver.
Eles não compreendem a linguagem de Jesus porque não querem perder certos prazeres e privilégios; porque não querem se engajar ao projeto desafiador do Mestre da Galileia, que propõe vida desinstalada, dependente, ameaçada, cheia de emoções mas com muito sofrimento.
Eles não compreendem a linguagem de Jesus, porque se trata de algo complicado para o religioso, que vive de coisas fixas, rígidas, quadradas, controladas.

Eles não compreendem a linguagem de Jesus, porque ele não fala como os religiosos da sua época, os quais se expressam de forma opressora, colocando jugo e carga pesada sobre o povo que eles mesmos não conseguem carregar.
Eles não compreendem a linguagem de Jesus, porque é linguagem que, primeiramente, liberta a mente, a consciência, o homem das correntes de um religiosismo que mais oprime que liberta.
Eles não compreendem a linguagem de Jesus, porque querem um evangelho que dá o controle das almas nas mãos dos mais santarrões, contra os quais Jesus combateu e ainda os chamou de «serpentes, cobras venenosas».
Eles não compreendem a linguagem de Jesus, porque gostam de viver debaixo do «cinto do pai», que é uma forma de compensar as suas práticas pervertidas.
A bem da verdade, as exigências que os ensinamentos de Jesus fazem a nós, religiosos, nos tiram da zona de conforto, da comodidade e nos levam a fazer revisão constante da nossa caminhada. 
Há uma coisa extremamente sutil e diabólica que se instaurou nos meios evangélicos, hoje, para explicar a ausência de pregadores que não seguem o senso comum dos nossos púlpitos, pois pregam mensagens opostas a tudo quanto a turba multa gosta de ouvir. Geralmente, esses são chamados de «pregadores-que-não-têm-linguagem-para-o-povo». Esta pecha colocada sobre os «pregadores-que-não-têm-linguagem-para-o-povo» tem por objetivo submetê-los a um «princípio de restrição». Só que isso é uma enorme mentira. O que está por trás destes «condicionamentos» nos quais são submetidos tais pregadores é, de fato, o medo por suas mensagens libertadoras. «E conhecerei a verdade, e a verdade vos libertará» (João 8:32)
Não faz muito tempo, estive pregando numa igreja e, ao terminar, já estava entrando em meu carro, quando fui abordado por dois jovens que, meio que perplexos, me disseram:

«Pastor, o senhor precisa vir mais vezes aqui. Nós
nunca ouvimos esse tipo de mensagem!».

A que tipo de mensagem eles se referiam? Eles estavam falando, sem saberem, da linguagem que eu usei: A linguagem da libertação.
Aquelas pessoas foram, de alguma forma, desafiadas pelo poder da Palavra. O que eles estavam realmente tentando dizer é que nunca ouviram aquele tipo de linguagem no púlpito de sua igreja.
Portanto, a não compreensão da linguagem de Jesus não está na quantidade de palavras difíceis que Ele usava, nem na sua comunicação austera, mas sim pela razão de que suas mensagens promoviam embaraços para os fariseus que acostumavam o povo a meias verdades; o ensino de Jesus gerava desafios perturbadores em relação à verdade, aos maus hábitos, ao lado corrupto da prática religiosa. «Se, pois, o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres», disse Jesus. (João 8:36)


 Rev. Paulo Cesar Lima

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

A CRISE DE CARÁTER

A CRISE DE CARÁTER
Texto: 2 Coríntios 3:1-5.


INTRODUÇÃO:

Escolhemos o tema «Caráter» devido a uma pesquisa feita sobre as instituições mais desacreditadas do país. Para nosso espanto, ficou assim a distribuição: a) polícia – 40% (os mais desacreditados); b) pastores – 33% (a segunda instituição mais desacreditada do país) e c) políticos – 27%.

Caráter pode ser definido como aquilo que caracteriza um homem, sobretudo em seu progresso espiritual; índole.

Caráter, há muito tempo, deixou de ser matéria da psicologia para ser uma questão eminentemente ética.

I. EM DISCUSSÃO: A ORIGEM DO CARÁTER.

            Sobre o caráter, a gente deve ressaltar duas coisas:

            a) o desvio de conduta e
            b) o desvio de caráter.

            A maioria dos evangélicos corrige a conduta, mas não o caráter.
           
            Exemplo 1: Alguns bebiam – conduta – deixaram de beber, mas continuam tendo problemas no caráter. Pessoas há que têm um desvio de caráter sério, conquanto tenham se consertado na conduta. Conduta tem a ver com o que eu faço; caráter com o que eu sou. Isto porque, comumente, não sou o que faço.

            Dentro das igrejas corrigimos condutas, mas não caráter. Caráter tem a ver com motivação; conduta, com prática; ou seja: o que me motiva fazer o que fiz? Ou o que faço? Essa é a pergunta ao caráter que devemos fazer. Sem essa pergunta não começamos a mexer em nosso caráter a fim de modificá-lo.

            Por exemplo: Você está dentro de um ônibus e, de repente, dois ladrões começam a assaltar o ônibus. Um dos passageiros, tomado de coragem, consegue neutralizar os ladrões. Todos no ônibus vão parabenizar o passageiro pela sua coragem. Todavia, esta foi a conduta dele que pode não revelar – e na maioria das vezes não revela – o seu caráter; por quê? Porque por n razões aquele homem pode ter feito o que fez: pode se tratar de um psicopata que não está nem aí para as pessoas que poderiam morrer por causa do seu embate com os ladrões; ele pode ter sido motivado pelo medo ou por ser uma pessoa desequilibrada.

            Este é o nosso grande problema: falamos para fora do homem e não para dentro do homem. Assim as pessoas terminam ficando ótimas “por fora”, mas horríveis por dentro: sepulcros caiados. Cuidamos do lado “estético” das pessoas, mas esquecemos do lado “ético” – o mais importante. O estético é a “forma”; o “ético” é a essência. 

Exemplo 2: Você pede a uma pessoa, aparentemente humilde, para fazer alguma coisa. Ela não faz e fica totalmente indiferente ao que você pediu para ela fazer. Você descobre, então, que aquela humildade aparente – conduta – não é verdadeira. Aquele irmão ou irmã é extremamente insubmisso(a) e orgulhoso(a). No entanto, nos cultos de “fogo” essa(e) irmã(o) entra em estado de total ebulição: ele(a) pula, fala em línguas, chora, etc. Isso é caráter que precisa ser mudado. Essa pessoa está, no mínimo, equivocada.

            Cultos emocionais não transformam caráter, mas corrigem, se muito, condutas. Para mudarmos o nosso caráter nós temos que parar para ouvir.
           
            Que Deus nos ajude a corrigir nossa conduta e mudar nosso caráter no caráter de Cristo.


II. ÉTICA INDIVIDUALISTA – DISTORÇÃO DE CARÁTER

A. Você Decide (programa global). Uma mala cheia do dinheiro achada por alguém. Este descobre que o dinheiro é destinado a um orfanato. As pessoas decidem a favor do homem que achou a mala.

B. Somos um povo confuso, dirigido por governantes eticamente confusos, eleitos por critérios e valores duvidosos, sobre os quais a igreja pouco tem podido falar porque também tem sujado os dedos no melado.

C. O homem moderno tem uma consciência de camaleão.

D. Eduardo Giannete da Fonseca, economista laureado, lançou o livro «Vícios Privados, Benefícios Públicos? A Ética na Riqueza das Nações», onde comenta que

«... se examinássemos os jornais, os artigos, os comentários de televisão, os seminários, as conferências etc., a partir de seu conteúdo, diríamos que nosso país é uma maravilha, porque tem pessoas brilhantes, que dizem coisas brilhantes».

Mas, segundo Giannete, conquanto sejamos um país de gênios em todas as áreas, há um abismo entre o desenvolvimento tecnológico e o desenvolvimento ético, que deveria acompanhá-lo.

III. PROBLEMAS ÉTICOS PROFUNDOS

A. Somos um povo eticamente confuso porque perdemos nossos referenciais.

B. O Fenômeno da Pluralidade Transformou a Sociedade Num Imenso Supermercado. Oferece-se de tudo. O sistema tem um terminal dentro de nossas casas, quase fazendo transfusão intravenosa de cosmovisão contemporânea: valores, ideias e costumes que nos são enfiados goela abaixo, sem que esbocemos um gemido.

C. A pluralidade trouxe a fragmentação e com ela uma consciência de que para tudo há opções no mercado: naturalista, vegetariano, macrobiótico, preservacionista, reciclista etc.

D. A pluralidade trouxe também o irracionalismo intimista do tipo: não pense, sinta; não entenda, usufrua; não busque, receba; não caminhe, vibre; não se esforce, relaxe; não compreenda, intua; não reaja, concorde.

Conclusão:


A cada dia que passa a crise de caráter vem aumentando no mundo. A igreja, como voz profética de Deus, precisa levantar-se no meio de tantas vozes, para ser referencial para a sociedade, sob pena deste mal que há no mundo – a falta de caráter – invadir a igreja. Aliás, isso já está acontecendo.

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Pregação feita pelo Rev. Paulo Cesar Lima


sábado, 15 de julho de 2017

A TEOLOGIA DIALÉTICA DE KARL
BARTH E SUA REVOLTA CONTRA O
LEBERALISMO TEOLÓGICO



Em 1919, um jovem pastor de uma pequenina igreja da Suíça escreveu um comentário tão radical que certo escritor disse que Karl Barth pegou uma carta escrita em grego do primeiro século e transformou em uma carta urgente para o homem do século vinte. Um teólogo católico disse que esse comentário aos Romanos foi uma revolução copernicana na teologia protestante que acabou com o predomínio do liberalismo teológico. Ele foi, de fato, uma bomba que Barth lançou no cenário teológico contemporâneo.

Diz-se da segunda versão do comentário aos Romanos, totalmente revisada e publicada em 1921, que ela foi ainda mais revolucionária que a primeira. Porém, de qualquer forma, 1919 tem sido para muitos o ponto de partida da teologia contemporânea.

A influência da obra de Karl Barth nessa nova era da teologia é enorme. Ele transformou a teologia do século vinte em teologia da crise. Foi ele quem dominou o ambiente teológico, formulou os problemas e apresentou as hipóteses de maior relevância, e desde então tem estado no centro da teologia moderna. Não há nenhuma dúvida de que o pensamento de Barth dominou o pensamento teológico do seu tempo. Ele produziu um impacto tão grande na teologia protestante, que todo teólogo do nosso século que quiser estudar teologia a sério, pode se opor à sua teologia ou acolher suas ideias, mas não pode jamais ignorá-la se quiser conhecer a situação teológica contemporânea.
O que havia nesse comentário do pastor Barth que sacudiu os alicerces teológicos do século vinte? Quais foram os princípios que Barth apresentou e que se converteram no legado de uma nova era teológica? Harvie M. Conn, aluno do Dr. Cornelius Van Til, esboça alguns princípios que emanam do comentário de Karl Barth aos Romanos e que parecem ter desempenhado o papel mais influente na formação das novas variantes teológicas. Esses princípios serão abordados nos tópicos a seguir.

A REVOLTA TEOLÓGICA CONTRA O LIBERALISMO TEOLÓGICO FOI UMA DAS MAIS NOTÓRIAS CARACTERÍSTICAS DA TEOLOGIA BARTHIANA

Barth havia aprendido teologia aos pés de dois grandes teólogos liberais, à saber: Harnack e Herrmann. O Jesus do mentor de Barth, Harnack, não era o filho de Deus único e sobrenatural, mas a encarnação do amor e dos ideais humanistas. A Bíblia do mentor de Barth, Herrman, não era a Palavra infalível de Deus, e sim um livro extraordinário, ainda que ordinário, cheio de erros e que exigia uma crítica radical para encontrar a verdade. A medida de toda a verdade era a experiência, o sentimento. A teologia desses dois mestres e também a de Barth era o idealismo teológico, caracterizado por uma profunda veia de pietismo e de preocupação pela prática da experiência religiosa cristã. Em 1919, e com muito mais força em 1921, Barth se encarregou de repudiar grande parte desse liberalismo clássico.

A primeira guerra mundial e seus horrores acabaram por soterrar o idealismo teológico liberal. A culta Alemanha, a liberal Inglaterra e a civilizada França lutavam como animais ferozes. Nesse ínterim, os mestres liberais de Barth se uniram com outros teólogos para declarar seu apoio à Alemanha, o que demonstrou que eles eram mestres de uma religião atada a uma cultura, e não a Deus. O comentário de Barth aos Romanos surgiu então como repúdio de seus antigos mestres liberais. O liberalismo fazia de Deus algo imanente ao mundo; Barth se opôs a isso e apresentou Deus como “Totalmente Outro”. O subjetivismo do liberalismo do século 19 havia colocado o homem no lugar de Deus; Barth exclamou: “Seja Deus, e não o homem!”. O liberalismo havia exaltado o uso aculturado da religião; Bart condenou a religião como o pecado máximo. O liberalismo edificou a teologia sobre a base da ética, Barth quis edificar a ética sobre a base da teologia.

O COMENTÁRIO DE 1921 DE BARTH PROPÔS UMA NOVA IDEIA DE REVELAÇÃO.

Em oposição ao antigo liberalismo, Barth enfatizou a necessidade que o homem tem da revelação, e chamou suas ideias de Teologia da Palavra de Deus. Barth, porém, insistiu na distinção entre a Bíblia e a Palavra de Deus. Este era seu legado kantiano.

Segundo Barth, pode-se ler a Bíblia sem ouvir a Palavra de Deus. A Bíblia é simplesmente um livro, mas, pelo menos, um livro através do qual nos pode chegar a Palavra de Deus. A relação entre Deus e a Bíblia é real, porém indireta. A Bíblia, diz Barth, “é a Palavra de Deus enquanto Deus fala por meio dela […] a Bíblia se transforma em palavra de Deus nesse momento”.  Para ele, até que a Bíblia se torne real para nós, até que ela nos fale da nossa situação existencial, ela não é Palavra de Deus. Esse é o conceito barthiano de revelação.

A DIALÉTICA DE BARTH, OU TEOLOGIA DO PARADOXO

O comentário de Barth também introduziu um novo método para explicar a teologia, a dialética. Esse termo ficou rapidamente associado à obra de Barth, ainda que o método tenha sido tomado por empréstimo do teólogo existencialista Soren Kierkgaard. Kierkgaard havia dito que toda afirmação teológica era paradoxal, não podendo ser sintetizada. O homem devia somente conservar ambos os elementos do paradoxo. É esse ato de sustentação do paradoxo que Kierkgaard chama de “salto de fé”.

Tal conceito influenciou muito a teologia barthiana, de maneira que quando preparava o comentário aos Romanos, Barth afirmava que “enquanto estamos na terra, não podemos fazer outra coisa em teologia a não ser utilizar o método de afirmação e contra afirmação. Não nos atrevemos a pronunciar em forma absoluta a palavra definitiva […] O paradoxo não é acidental na teologia cristã. Ele pertence, em certo sentido, ao coração do pensamento doutrinário”. A própria natureza da revelação, segundo Barth, é um paradoxo: Deus é o oculto que se revela; conhecemos a Deus e conhecemos o pecado; todo homem é escolhido e também reprovado em Cristo; o homem é justificado por Cristo, mas ainda é pecador. Certo comentarista observou que, segundo a teologia dialética de Barth, a revelação que vem de cima para o homem, ao encontrar a contradição do pecado e finitude humana, só pode ser assimilada pela mente humana como sendo um paradoxo.

O COMENTÁRIO DE BARTH VEIO REAFIRMAR A TRANSCENDÊNCIA ABSOLUTA DE DEUS

Um dos pressupostos de Barth, que também é um legado kantiano, é que Deus é sempre sujeito, nunca objeto. Deus não é simplesmente uma unidade no mundo dos fenômenos; ele é infinito e soberano, “Totalmente Outro”, e só pode ser conhecido quando nos fala. “Ele não pode ser explicado como qualquer outro objeto pode ser, apenas podemos nos dirigir a Ele […] Por esta razão, não cabe à teologia medi-lo em uma forma de pensamento direto ou unilinear”. Não podemos falar a respeito de Deus. Apenas falamos a Deus. Segundo Barth, a própria natureza de Deus exige que as afirmações que lhe dirigimos sejam revestidas de contradição: “Não podemos considerá-lo perto, a não ser que o consideremos longe”.

Sem dúvida o grande tema de Barth, em oposição declarada ao liberalismo, foi a “infinita diferença qualitativa” entre eternidade e tempo, céu e terra, Deus e o homem. Não se pode identificar Deus com nada no mundo, nem sequer com as palavras da Escritura. Deus chega ao homem como a tangente que toca o círculo, mas na realidade não o toca. Deus fala ao homem como a bomba explode na terra. Depois da explosão, tudo o que resta é uma cratera abrasada no terreno, e essa cratera é a igreja.

O COMENTÁRIO DE BARTH TAMBÉM DEMARCOU A FRONTEIRA ENTRE A HISTÓRIA E A TEOLOGIA

A teologia do século dezenove se dedicou a procurar o Jesus histórico por detrás do Cristo sobrenatural da Bíblia. Os liberais clássicos como o professor de Barth, Harnack, se dedicaram a buscar nos evangelhos – os quais eles condenavam como não-confiáveis – os fatos históricos sobre Jesus. Barth asseverou que essa busca é uma busca sem importância, pois, segundo ele, a revelação não entra na história, apenas a toca como uma tangente toca um círculo. Segundo Barth, não há nada na história sobre o que possamos basear a fé. A fé é um vazio preenchido não pela história, mas pela revelação.

Profundamente influenciado pelos conceitos de história de Kierkgaard e de Franz Overbeck, Barth dividiu a história em dois níveis: Historie e Geschichte. Ainda que ambos os termos possam ser traduzidos por história, no alemão, a conotação que essas duas palavras têm é bem diferente. Historie é a totalidade dos fatos históricos do passado, podendo ser comprovada objetivamente. Geschichte se ocupa daquilo que une essencialmente, que exige algo de mim e requer meu compromisso. Segundo Barth, a ressurreição de Jesus pertence ao âmbito de Geschichte, não de Historie. Para ele, o âmbito da Historie de nada vale para o crente. Jesus deve ser confrontado no âmbito de Geschichte.

Mais uma vez a influência do pensamento de Immanuel Kant sobre a teologia de Karl Barth, principalmente no que concerne ao mundo dos fenômenos e dos números é muito grande, podendo-se até dizer que a teologia contemporânea tem sua raiz em Konigsberg, na Prússia. Ao longo do desenvolvimento da teologia contemporânea, as ideias kantianas de fenomenal e numenal “volta e meia” reaparecem com uma nova roupagem. Alguns tomam o tema e o ampliam, porém sua influência continua sendo grande a ponto de podermos designar o século dezoito e o pensamento de Kant como protótipo da teologia contemporânea.

OBJEÇÕES À TEOLOGIA DIALÉTICA DE KARL BARTH

Há, sem dúvida, algumas críticas que se pode fazer à obra de Barth. Ele mesmo reconheceu alguns de seus excessos e poliu boa parte dos argumentos que enfatizou a princípio, e até certo ponto, pode-se dizer que ele suavizou algumas ideias mais incisivas. O que passo a expor agora, são algumas críticas que se podem fazer ao pensamento de Barth.

Em primeiro lugar, ainda que as ideias de Barth representem uma revolta contra o liberalismo clássico, suas ideias podem ser chamadas de novo liberalismo. Barth não conseguiu se livrar do ponto de vista crítico liberal das Escrituras. Por causa dos seus pressupostos liberais, Barth não aceita a inerrância da Bíblia, chegando mesmo a afirmar que toda a Bíblia é um documento humano falível e que buscar partes infalíveis nas Escrituras é “simples capricho pessoal e desobediência”. A inerrância das escrituras é uma das diferenças cruciais entre o liberalismo e o cristianismo ortodoxo, e o posicionamento de Barth nada mais é que uma opção por ficar em cima do muro.

Sua ideia de revelação, em última instância, é puramente subjetiva. Para Barth, a diferença entre a Bíblia como meramente um livro e a Bíblia como a Palavra de Deus depende exclusivamente da reação humana frente a este livro. Embora em uma atitude de revolta contra o liberalismo ele tenha exclamado: “Seja Deus e não o homem”, na prática, dentro da sua teologia dialética, o homem é entronizado no centro da experiência religiosa.

O resultado final da dialética de Barth é a destruição da verdade objetiva. Se toda comunicação histórica e toda experiência direta com Deus se encaixa em uma concepção pagã de Deus, como poderemos aproximar-nos da verdade sobre Deus? Também a sua insistência em descrever Deus como “Totalmente Outro” faz de Deus um ser indescritível. Como Deus não é um objeto no tempo e no espaço, e visto que a “inescrutabilidade e recondidez formam parte da natureza de Deus”, o homem não pode conhecê-lo diretamente, afirma ele. A questão é: se Deus é assim tão indescritível e insondável, de que maneira o homem pode conhecê-lo?

A separação que Barth faz da Historie e da Geschichte, traz à tona a problemática concernente à historicidade da obra redentora de Cristo como fundamento do cristianismo. Ela argumenta na tradição de Nietzche e Overbeck, separando o cristianismo da história, e ao fazê-lo, acaba por solapar a base do cristianismo. É claro que o propósito de Barth foi tirar do liberalismo o monopólio quanto ao método de interpretação, mas ao fazê-lo, também privou o cristianismo do seu lugar na história.

Ao que vemos, embora a teologia de Barth tenha sido responsável por uma prática religiosa em que os valores evidenciam a religiosidade do cristão, ele jamais conseguiu se libertar completamente do liberalismo teológico de seus mestres Herrmann e Harnack. Ele revoltou-se contra o liberalismo teológico, argumentou contra ele, mas não pode livrar-se de seus pressupostos. Tal como Kant, Barth confina Deus ao mundo dos números e apresenta a dialética – a teologia do paradoxo – como sendo à única teologia possível. Ele exclui a razão a priori e deixa a porta fechada à percepção humana.

Sua teologia é de suma importância para o século vinte e, de fato, quase todo o pensamento teológico moderno até a década de setenta envolverá a perspectiva de Barth. Podemos aceitar seus pressupostos ou acirrar-nos contra ele, mas nenhum teólogo de nossa época poderá jamais ignorar a teologia dialética de Karl Barth e sua influência no cenário teológico contemporâneo.

A COMPLICADA TEOLOGIA BARTHIANA

É uma teologia basicamente eclesiástica. Significa que Barth tem a pretensão de estabelecer a doutrina como sendo a casa onde reside a Palavra de Deus. A Bíblia é muito mais que apenas um registro onde está a Palavra de Deus. Ela é o depósito onde a Palavra de Deus se insere e é onde Deus se manifesta ao ser humano. É na doutrina, pela doutrina e só na doutrina. Então Barth pensa a teologia como algo positivo no sentido de que é objetivo. Se não for um conjunto de doutrinas que dê conta de Deus, de forma positiva, objetivamente para a igreja, não há outro lugar onde Deus se manifeste. Barth, como opositor da teologia liberal, assume no século XIX, sendo que a teologia liberal assume o século XIX como limite, por conta de todos os avanços e conquistas da Filosofia no século XIX. Marx, Nietzsche, Feuerbach... O homem está preso dentro da cultura. Tanto a teologia liberal como a teologia de Barth partem desse pressuposto. Mas Barth não usa o século XIX como limite; usa-o, sim, como limitador da condição humana.

O homem não pode ir a Deus, mas Deus pode ir ao homem. E para Barth Deus vem ao homem na teologia, no dogma, na doutrina. Para Barth não é nenhuma operação propriamente da igreja. A doutrina, a teologia é uma manifestação do próprio Deus. Quase que a revelação e a doutrina tornam-se uma e a mesma coisa. De modo que ele não admitia que cada igreja tivesse a mesma doutrina, porque isso denunciaria que a doutrina é uma atividade humana. A doutrina é quase revelação. Teoricamente não é a mesma coisa, mas na prática você não consegue separar a Teologia de Barth, de um lado, e a revelação de outro. Então para ele a igreja de Jesus Cristo – ele tem quase uma visão católica da igreja – é uma unidade e só tem um acesso a Deus que é por meio da doutrina objetiva. Resumindo: é uma doutrina positiva, dogmática e eclesiástica. A única forma de o homem ter acesso a Deus é através da revelação de Deus.

A TEOLOGIA BARTHIANA TEVE ALGUMA IMPORTÂNCIA NA TEOLOGIA DO SÉCULO XX, ATÉ MESMO NO PENSAMENTO ATUAL?

A rigor, se não fosse Karl Barth a teologia, como a gente conhece, tinha se desintegrado no século XX. Porque a primeira reação objetiva na Europa, em termos de Europa – nos Estados Unidos o fundamentalismo é o mesmo tipo de resposta. Com o Romantismo no século XIX, toda a plataforma continental, europeia assume que não há mais fundamento para a verdade. Daí sairão as ciências humanas: a antropologia, a sociologia, enquanto pensamento de dar resposta, as únicas possíveis, a uma sociedade secularizada. Então a teologia liberal caminha por aí. É um jeito de dialogar com essa modernidade, com apenas Jesus e não o que é metafísico.

Karl Barth, no conteúdo, quase volta à Idade Média; na retórica, no modo de argumentação, o que ele fala parece uma coisa nova, mas no fundo é um retorno à ortodoxia medieval. Daí por que a teologia barthiana ser chamada também de neo-ortodoxia. A teologia dialética de Barth é também chamada de neo-ortodoxia por conta disso. É um retorno no que havia sido, teoricamente, superado pelo século XIX. Então tudo que se fizer no século XX em teologia com base no modo como a gente a concebe, ou seja, uma teologia com base em Niceia em que o modelo dogmático, o conteúdo – mais do que o modelo dogmático de Niceia – está presente, como ponto de fundamento está Karl Barth. Seja Pannenberg, seja Multmann, seja Bultmann, seja Tillich; de algum modo eles estão articulados na estrada de Karl Barth. Uns são muito diferentes de Karl Barth, apesar de a gente só poder fazer duas separações: ou você é barthiano ou você é liberal. Neste aspecto o espectro em torno de Barth ele é bem amplo, chega ao ponto de um Bultmann que quase dissolve o dogma em sacramento homilético, a pregação é o sacramento de Bultmann ou em Tillich que ele quase dissolve a doutrina numa experiência filosófica mediada pela cultura, mas ainda assim a vinculação do pensamento cristão – com o núcleo tradicional de Niceia. Mesmo conteúdo da fé de Lutero. As experiências de lidar com essa fé vão ser alteradas. Mas o conteúdo dessa fé vai permanecer. Então sem Barth é impossível você pensar o século XIX.

Quando ele foi sepultado em 1963 quem fez a pregação no cerimonial do sepultamento dele foi Hans Kung, teólogo católico. E na época Hans Kung dizia que finalmente havia nascido, apesar de ele estar morrendo – depois que você morre muito maior é o seu impacto – um homem que era capaz de juntar os dois cristianismos: o cristianismo protestante e o cristianismo católico. O cristianismo católico quanto da ênfase de Barth na unidade, na positividade, no fato de ele não tolerar uma igreja que se rasgasse, que se dividisse; e protestante por conta do vínculo dele com a Bíblia. Ele fazia todo esse discurso passar pelo funil da Bíblia. Ainda que a Bíblia acabasse se tornando, em última análise, um depósito positivo, não hermenêutico, da Palavra de Deus, da Revelação de Deus. Daí uma das consequências da teologia de Barth é a teologia hermenêutica de Ebering, porque eles perceberam que Barth considerava que a igreja era quase um ouvido sem nenhuma participação no processo de interpretação. Você, ele, eu, nós não interpretamos, não interagimos com a Escritura, nós recebemos passivamente a doutrina.

O elemento sacerdotal está muito presente na fala de Barth, como se o clero, o pastor, ele fosse um intermediador da doutrina positiva. Mas com isso a Bíblia se torna mero objeto de manipulação, ou seja, ela não tem participação efetiva no processo, apesar de que se considera a teologia na palavra de Deus. O paradoxo é que esta palavra quase se desintegra, a doutrina engole a Palavra. Já a teologia em si mesma pressupõe que a Palavra não é fixa, ela é dinâmica, então há uma necessidade de um processo de interpretação e esse processo de interpretação acaba conspirando um pouco com a positividade da doutrina. Tem esse paradoxo e Hans Kung percebeu que Barth juntava os dois aspectos.

O problema protestante essencialmente é de que a Bíblia é o fundamento, mas há a vertente católica da unidade, da positividade da doutrina.