A MORAL DO DILÚVIO
A passagem meteórica de Jack Miles pelo Brasil não deixou nenhum tipo de nostalgia. O
professor de Harvard na área de Línguas Orientais, ex-jesuíta, veio ao Rio de
Janeiro para fazer o lançamento do seu livro “Deus – uma biografia”, e foi
extremamente jocoso na sua avaliação dos textos episódicos da Bíblia.
Suas colocações críticas da Bíblia foram de
conteúdo eminentemente agnóstico. Ele compara as narrativas bíblicas com os
Lusíadas. Hoje, pertencente a uma igreja Anglicana, quando perguntado como
consegue conciliar sua fé com o seu pensamento ultraliberal, responde: “Pela
manhã, sou cientista e, à noite, sou poeta”, fazendo alusão ao filósofo
Barcellar.
No seu livro “Deus – uma biografia”, Miles arremeda a história do Dilúvio com
a expressão “afogamento” e diz que o Dilúvio bíblico “não é a história feliz de
um Deus que salva um homem bom de uma catástrofe natural, mas de um Deus bom
que salva um homem bom de um Deus mau”. O horror está em que o Deus bom e o
Deus mau de Miles são o mesmo Deus.
O escritor anglicano, como “bom” liberal,
continua sua obra de lapidação do sagrado emitindo mais um parecer acerca do
Dilúvio. Segundo ele, Gênesis 6
a 9 coloca o Dilúvio num contexto moral. Deus olha para
o mundo que fez e vê que a maldade do homem se havia multiplicado na terra, e
que era continuamente mau todo desígnio do seu coração; então se arrependeu o
Senhor de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou o coração. Disse o
Senhor: “Farei desaparecer da face da
terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e os aves dos céus;
porque me arrependo de os haver feito” (Gn 6.5-7, Trad. João Ferreira de
Almeida).
Para Miles,
o castigo não correspondia ao crime: por que os répteis e as aves deveriam
perecer por causa da “maldade do homem? – indaga o escritor norte-americano. E
continua: “E ‘maldade’ (todas as traduções empregam uma palavra equivalente) é
uma tradução desnecessariamente moralista do hebreu ‘rã[’. A palavra ‘rã[’ é a
mais geral de todas as palavras hebraicas para maldade, tão geral quanto ‘tob’,
que Deus usa quando, em Gênesis 1.31, olha pra o que faz e acha bom. Miles diz que Deus, enquanto prepara a
inundação, acha o mundo mau da mesma maneira abrangente que antes o achara bom.
Assim como foi gratuitamente benevolente quando criou o mundo, Deus também é
gratuitamente malevolente quando o submerge sob o dilúvio.
A colocação de Miles, além de não ter nenhum amparo teológico, é de uma retumbante
ingenuidade para alguém de Harvard. O escritor deveria saber de antemão que a
ideia teológica reinante no Antigo Testamento não permite dualismos, e muito
menos uma presença avassaladoramente maniqueísta que o escritor diz existir no
texto de Gênesis. Afora isso, a expressão hebraica “rã[”, com toda a sua
acepção genérica, não apóia a mutilação da moral divina proposta por Miles, uma vez que muitas vezes ela
aparece na Bíblia com indicação moral.
O esforço de Jack Miles em querer tornar os textos bíblicos em meras epopéias,
sagas heróicas, pontos literários etc., é totalmente inglório. Ele, inclusive,
chega ao desatino quando diz que o Antigo Testamento é encerrado com a imagem
de um Deus “velho” (a imagem de ancião no
livro de Daniel), cansado, trôpego, que é ultrapassado pelo homem. Tais
insinuações, além de infundadas, são maliciosas, e tendem a colocar dúvidas na
mente dos incautos.
O Dilúvio bíblico, monumento histórico, faz
parte das inolvidáveis verdades indestrutíveis que se revelam notavelmente com
as garantias histórica, teológica e científica. Não há, portanto, como
contestar o incontestável e nodoar o que é puro na essência. Erra Miles e todos os que, como ele, insistem
em medir forças com o Deus todo-poderoso.
Et gloria est Dei!
Et gloria est Dei!
Rev. Paulo Cesar Lima
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