sexta-feira, 25 de abril de 2014

UTOPIAS MISTIFICADORAS


UTOPIAS MISTIFICADORAS

 

 

Aja paciência para aceitar com paciência a paciência que não se aguenta. A paciência a que me refiro é a maniqueísta e objeto de manipulação. Esta paciência que não se aceita nem se aguenta é a que é estereotipada como forma de humildade, travestida por espiritualização e alienação puritanas. Na maioria das vezes, é alguma coisa sem lógica, irracional, monitorada, uma forma de domesticar e inibir ações contrárias. É por isso que diante do sofrimento, do infortúnio e até mesmo da morte, a maioria das pessoas costuma reagir com um providencialismo voluntarista, do tipo: “Deus quis assim!” “É vontade de Deus!”, ou com um fatalismo determinista: “É o destino!” “Estava escrito!”
 
Isso faz parte da cultura da paciência, que gera conformismo antiutópico. Mas, ao lado da cultura da paciência que se apresenta como pensamento estratificado de preservação do status quo alienante e apassivante, encontra-se também a cultura da paciência dinamogênica (a tenacidade utópica empenhada em transformar a sociedade desumana). Os trabalhadores nômades, por exemplo, que desfilam pelas fazendas, os migrantes que se deslocam do nordeste para o sul, os favelados que rolam de uma periferia a outra, fazem parte dos que não desistem de caminhar, não se cansam de buscar dias melhores.
 
Paciência - em grego, “kartería” - significa suportar, mas sobretudo sustentar, ter forças da alma, coragem, vontade firme, tenacidade. Muito mais do que tolerar passivamente o sofrimento, “kartería” é sustentar corajosa e obstinadamente causas justas.
 
O povo demonstra fôlego histórico indobrável, capaz de fatigar e fustigar os poderosos, que respondem com a violência dos jagunços e da polícia.
 
A expressão bíblica “esperei com paciência no Senhor...” não pode ser pensada, primeiramente, nem interpretada, em segundo lugar, como algo estático, na mais pura ausência de luta. O verbo “esperar” é uma das acepções da palavra “confiar” no AT. A palavra paciência também não traz a ideia de “braços cruzados” e sim de coragem e resistência a forças contrárias. Portanto, a imagem do “karteriano” à luz da Bíblia é a daquele que persiste na luta utópica pela vida, até que seus opressores sejam vencidos “para libertar-se”.
 
A utopia suscita esperança, e a esperança efetiva a utopia. Sem a esperança a utopia permanece no plano abstrato, e não se materializa na concretude humana. A esperança confere às pessoas e coletividade a energia necessária para que existencializem suas utopias.
 
Há que estimular o povo a descobrir e a captar as utopias que já estão em andamento na vida, na cultura, na pobreza, no sofrimento, e na religião. E também há que animá-lo e propor utopias inéditas que lhe são vitais em determinados momentos e contexto não culturais.
 
Apesar de socialmente arrasado, o brasileiro não perde a esperança. Em seu sangue anêmico, a esperança continua vigorosa. Esse potencial elpístico deve ser investido na concretização de projetos utópicos necessários à população. É indispensável ressaltar toda esperança que está dispersa por aí. A esperança resoluta, madura e impetuosa, e também a esperança humilhada, reprimida e esfiapada.
 
Muitas vezes a esperança foi modificada para consolar os pobres, sem mudar-lhes as injustas condições de vida. Cabe à evangelização, salutarmente inculturada, levantar a esperança profética que denuncia utopias mistificadoras. Acordar a esperança-desespero que confia em solução populares prometidas pelas classes dominantes - e acelerar a esperança-militante que faz a utopia de justiça germinar e crescer no chão do sofrimento e da miséria.
 
A aliança entre utopia e esperança é capaz de trazer-nos novo gênesis, o começo do mundo querido pelo projeto de Deus e buscado pelos braços dos homens.
 
Assumamos, portanto, esse horizonte de esperança que anuncia a irrupção histórica da utopia dos cativos.


Et gloria est Dei!
 
 
 
Rev. Paulo Cesar Lima
 
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 (*) Utopia significa um sistema de pensamento político que espera ou promete para o futuro um estado de felicidade geral; uma nova organização da sociedade, das instituições políticas e das relações econômicas. O termo “utopia” significa em lugar nenhum, tradução de que o sonho social ainda não foi realizado.

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