sexta-feira, 25 de abril de 2014

CATADORES DE NUVENS


CATADORES DE NUVENS

 

 

    No último feriado do mês de março, data da Semana Santa e da comemoração da Páscoa, fiquei frente a frente com uma experiência de sobejas lições de vida.
 
 
A pedagogia apreendida veio de um jovem casal com sua filhinha de no máximo quatro aninhos. Este casal estava sentado no assento, logo atrás do meu. Eu estava indo de avião para um Simpósio em Salvador, BA.
 
 
De repente, chegou àquela hora fatídica da descida do avião. A mãe da menina começou sua árdua tarefa de entreter a filha que esboçava gritar pela pressão e dor nos ouvidos. Então quando o avião começou a ultrapassar os grandes blocos formados de espessas nuvens, a mãe, com indisfarçável preocupação, tentou, a todo custo, desviar a atenção da menina para que ela “pegasse” uma daquelas nuvens. Mas, a despeito de toda a estratégia da dedicada mãe, de quando em quando ouvia-se o murmúrio da criança: “Mãe, está doendo!”, levando sua mãozinha aos ouvidos.
 
 
O esforço materno foi hercúleo para desviar a atenção da menina, que em todo percurso de descida do avião viveu um misto de dor e prazer.
 
 
   Eu, como todo bom escritor, tive logo um insight. Percebi que a mesma coisa acontece nos encaminhamentos que a mídia dá a algumas notícias que não querem que cheguem aos ouvidos do povo.
 
 
Na Bíblia, o furto é classificado como sendo de duas ordens: opressão (ossek) e saque (guezel) (Lv 19.13). A distinção mais simplificada entre estas duas vertentes do roubo é esclarecida por Maimônides. De acordo com sua interpretação, o saque (guezel) é a apropriação forçosa de algo que não nos pertence ou que não esteja à nossa disposição. Por outro lado, a opressão (ossek) pode ser a não-devolução de algo tomado, mesmo com o consentimento do dono; é o adiamento constante do retorno de um pertence. Desta forma, ossek pode acontecer nas mais variadas circunstâncias da vida, como no roubo do tempo, no roubo de expectativa, no roubo de prestígio, no roubo de informação etc.
 
 
O desvio de atenção (catadores de nuvens) é um instrumento de alienação que vem sendo utilizado no Brasil de forma exorbitante, constituindo-se num verdadeiro roubo de informação (ossek).
 
 
Um desses desvios gritantes foi a denúncia que nos últimos dias sacudiu a imprensa europeia e americana sobre a prática de pedofilia e pederastia de um número assustador de sacerdotes católicos. Desta vez os criadores de entretenimento foram achar seu material numa improvisada lixeira. E, como era de se esperar, a culpa do mundo todo caiu sobre um ilustre desconhecido pediatra de São Paulo, o qual, em tempo record, passou a ser o artigo mais valioso da mídia. Para desviar de cena a notícia bomba e comprometedora que viria colocar saia justa numa instituição religiosa milenar, a mídia se concentrou no tresloucado médico paulista, que não será o primeiro nem o último profissional no Brasil a praticar insanidades desse tipo.
 
 
   Mas o caso dos sacerdotes católicos – fato estampado pela mídia europeia, americana e algumas emissoras brasileiras – não se trata de erro de conduta isolado, pois envolve um número expressivo de oficiais religiosos. Até porque não estamos falando de leigos, mas de homens escolhidos, com preparo especial; homens que fizeram seu voto de compromisso ético diante de Deus e dos homens; homens que pregam a moral, o respeito, a dignidade. Não estamos falando de um desvio de conduta insignificante, mas de pedofilia, de pederastia, práticas bestiais, sórdidas, e isto envolvendo o clero romano.
 
 
Eu fico aqui pensando se a mesma situação fosse com os evangélicos. Certamente o canhão da mídia não nos daria trégua um segundo. Seríamos capa de revista, jornal; assunto do dia nas rádios, programas de televisão, além do assédio constante da imprensa em nossas igrejas.    
 
 
   Só que este tratamento diferenciado já está sendo notado pelo povo, que, ao contrário de anos atrás, não está mais indiferente a este tipo de situação. O povo já está percebendo que, comumente, por trás de uma notícia sobreposta está a ponta de um iceberg que alguém não quer mostrar.
 
 
    A razão para isso pode ser que o brasileiro, mesmo sendo entretido a catar nuvens no ar, resolveu não mais se entregar a astúcia de quem diz o que mandam por não poder dizer o que deve.  




Et gloria est Dei!
 
 
 
 
Rev. Paulo Cesar Lima

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