CATADORES DE NUVENS
No último feriado do mês de março,
data da Semana Santa e da comemoração da Páscoa, fiquei frente a frente com uma
experiência de sobejas lições de vida.
A pedagogia apreendida veio de um
jovem casal com sua filhinha de no máximo quatro aninhos. Este casal estava
sentado no assento, logo atrás do meu. Eu estava indo de avião para um Simpósio
em Salvador, BA.
De
repente, chegou àquela hora fatídica da descida do avião. A mãe da menina
começou sua árdua tarefa de entreter a filha que esboçava gritar pela pressão e
dor nos ouvidos. Então quando o avião começou a ultrapassar os grandes blocos
formados de espessas nuvens, a mãe, com indisfarçável preocupação, tentou, a
todo custo, desviar a atenção da menina para que ela “pegasse” uma daquelas
nuvens. Mas, a despeito de toda a estratégia da dedicada mãe, de quando em
quando ouvia-se o murmúrio da criança: “Mãe, está doendo!”, levando sua
mãozinha aos ouvidos.
O
esforço materno foi hercúleo para desviar a atenção da menina, que em todo
percurso de descida do avião viveu um misto de dor e prazer.
Eu, como todo bom escritor, tive logo
um insight. Percebi que a mesma coisa
acontece nos encaminhamentos que a mídia dá a algumas notícias que não querem
que cheguem aos ouvidos do povo.
Na Bíblia, o furto é classificado
como sendo de duas ordens: opressão
(ossek) e saque (guezel) (Lv 19.13).
A distinção mais simplificada entre estas duas vertentes do roubo é esclarecida
por Maimônides. De acordo com sua interpretação, o saque (guezel) é a apropriação forçosa de algo que não nos pertence
ou que não esteja à nossa disposição. Por outro lado, a opressão (ossek) pode ser a não-devolução de algo tomado, mesmo com
o consentimento do dono; é o adiamento constante do retorno de um pertence.
Desta forma, ossek pode acontecer nas
mais variadas circunstâncias da vida, como no roubo do tempo, no roubo de
expectativa, no roubo de prestígio, no roubo de informação etc.
O desvio de atenção (catadores de
nuvens) é um instrumento de alienação que vem sendo utilizado no Brasil de
forma exorbitante, constituindo-se num verdadeiro roubo de informação (ossek).
Um desses desvios gritantes foi a
denúncia que nos últimos dias sacudiu a imprensa europeia e americana sobre a
prática de pedofilia e pederastia de um número assustador de sacerdotes
católicos. Desta vez os criadores de entretenimento foram achar seu material
numa improvisada lixeira. E, como era de se esperar, a culpa do mundo todo caiu
sobre um ilustre desconhecido pediatra de São Paulo, o qual, em tempo record,
passou a ser o artigo mais valioso da mídia. Para desviar de cena a notícia
bomba e comprometedora que viria colocar saia justa numa instituição religiosa
milenar, a mídia se concentrou no tresloucado médico paulista, que não será o
primeiro nem o último profissional no Brasil a praticar insanidades desse tipo.
Mas o caso dos sacerdotes católicos –
fato estampado pela mídia europeia, americana e algumas emissoras brasileiras –
não se trata de erro de conduta isolado, pois envolve um número expressivo de
oficiais religiosos. Até porque não estamos falando de leigos, mas de homens
escolhidos, com preparo especial; homens que fizeram seu voto de compromisso
ético diante de Deus e dos homens; homens que pregam a moral, o respeito, a
dignidade. Não estamos falando de um desvio de conduta insignificante, mas de
pedofilia, de pederastia, práticas bestiais, sórdidas, e isto envolvendo o
clero romano.
Eu fico aqui pensando se a mesma
situação fosse com os evangélicos. Certamente o canhão da mídia não nos daria
trégua um segundo. Seríamos capa de revista, jornal; assunto do dia nas rádios,
programas de televisão, além do assédio constante da imprensa em nossas
igrejas.
Só que este tratamento diferenciado
já está sendo notado pelo povo, que, ao contrário de anos atrás, não está mais
indiferente a este tipo de situação. O povo já está percebendo que, comumente,
por trás de uma notícia sobreposta está a ponta de um iceberg que alguém não quer mostrar.
A razão para isso pode ser que o
brasileiro, mesmo sendo entretido a catar nuvens no ar, resolveu não mais se
entregar a astúcia de quem diz o que mandam por não poder dizer o que deve.
Et gloria est Dei!
Et gloria est Dei!
Rev. Paulo Cesar Lima
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