VERDADE SIMPLES... MENTIRAS ESSENCIAIS
Todo intelectual idealista tem dificuldade de convívio. O que
ele tenta passar para as pessoas é sempre algo que a maioria não entende. Por
outro lado, o que as pessoas têm a lhe dizer, é sempre desinteressante. Por
isso busca isolamento. Mas ninguém consegue viver só.
Na tentativa de viver vida isolada, o intelectual idealista
busca prazer nos livros. E quanto mais lê mais afasta a possibilidade de
convívio com os “mortais”.
Depois de longo tempo de reclusão, o intelectual idealista,
cansado de viver só, resolve tomar novo rumo. Não tem para quem passar a
sabedoria que acumulou anos a fio. Volta para o grupo de convívio. E, como sabe
que não será aceito com suas “ideias difíceis”, bola uma estratégia: verdades simples.
As verdades simples nada mais são do que mentiras essenciais.
Quando falamos uma verdade pela metade não estamos dizendo a verdade, mas sim
uma meia verdade, que é, afinal, a pior mentira.
Vivemos de mentiras essenciais porque fomos ensinados a só falar
as verdades simples. Há um padrão no nosso falar. Uma maneira de falar humilde.
É dizer alguma coisa, sem explicar absolutamente nada. São as definições
nominais: define-se etimologicamente abortando realidades imprescindíveis.
Só que nem sempre o que se está dizendo, mesmo que seja dito com
toda a humildade, é uma verdade real. Não raro, é uma maneira de conformar a
verdade.
Jesus foi alguém que nunca falou a verdade pela metade nem
utilizou de eufemismo para dizê-la. Quando tinha que falar a verdade, a dizia
em alto e bom som, desse no que desse, doesse em quem doesse.
Hoje, até para falar a verdade tem que se falar de forma simples
(mentira essencial) para que ela seja aceita.
Daí dizer-se que existem dois tipos de verdade: uma verdade oficial e uma verdade verdadeira. A verdade oficial é a forma conformada,
conspirada, tabulada... de dizer a verdade. A verdade real é a que interfere, enfrenta, confronta, denuncia,
liberta...
Todos sabemos que a verdade é uma só. Mas, ao tomarmos
conhecimento da realidade dos fatos que tão de perto nos rodeiam hoje,
descobrimos que a verdade real, ou a verdade dos fatos frequentemente acaba
manipulada, sequestrada, ocultada, falsificada, rotulada, domesticada,
substituída...
Substituída, da parte das autoridades, pela “verdade oficial”. A
verdade oficial (ou institucionalizada) é a caricatura da verdade verdadeira,
mas é fabricada pelas autoridades, que não gostam de deixar a verdade
verdadeira circulando livremente por aí...
A cura do cego de nascença, fato narrado no evangelho segundo
João, revela claramente esta distorção. Após ter sido curado da sua cegueira e
ter se apresentado ao público, o ex-cego foi “oficialmente” forçado a fazer
silêncio obsequioso com relação ao episódio que envolveu a sua cura, além de
ser obrigado também a negar aquele que deu origem a sua condição de poder
enxergar: Jesus Cristo. Assim diz o texto bíblico: “Pela segunda vez chamaram
o homem que tinha sido cego e disseram: ‘Prometa a Deus que você vai dizer a
verdade. Nós sabemos que esse homem é pecador’” (Jo 9.24).
Eis como se pode manipular a verdade. Sendo perigoso que o povo
reconheça o Messias naquele profeta um tanto subversivo, nada como uma falsa
verdade para desmoralizá-lo...
É o sistema inaugurado pelas autoridades de hoje. Elas, por
exemplo, acham perigoso que o povo saiba quantas crianças morrem de fome,
quantas mulheres são esterilizadas, quantos assaltantes a polícia executa
sumariamente, quanto dinheiro público acaba no bolso de funcionários desonestos,
quantas crianças são violentadas pelo trabalho forçado nas carvoarias,
quantos pais desempregados, quantas famílias sem moradia, quantas
injustiças se praticam na pele dos cidadãos indefesos...
Até no campo religioso e no domínio da fé, não raro deixamos de
falar toda a verdade, com receio de que o povo possa entender errado. A isso
daremos conta a Deus.
No entanto, nossa vida não pode se reger sobre verdades “oficiais”,
que não passam de mentiras legalizadas e não têm poder de libertação.
Sem a justiça e a verdade, os reinos, as repúblicas e as democracias
tornam-se covis de ladrões, ninhos de cobras venenosas e antros de perdição.
Se quisermos sentir o gosto da liberdade, temos que recuperar a
coragem de apostar tudo na força da verdade. Ou, como o cego de nascença,
apostar tudo em Cristo.
Pois , “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”
(Jo 8.32).
Et gloria est Dei!
Rev. Paulo Cesar Lima
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