A pergunta “Quem dizem os homens que eu sou?” ainda não
desafiou os evangélicos a fazerem nenhum esforço maior, no sentido teológico,
para respondê-la, uma vez que responder sobre quem é Jesus Cristo é, para a
maioria de nós, algo indiscutível.
Por outro lado, a cristologia que nos foi passada – e até hoje
persiste na cultura evangélica – mostra um Cristo dogmatizado e privatizado por
um doutrinarismo quase medieval; um Cristo com características anacrônicas,
delineado de forma romântica e, não raro, quixotesca. Uma cristologia concebida
como mera eclesiologia, simples pneumatologia, ou uma inexpressiva
antropologia. Uma cristologia que persiste em mostrar uma imagem de um Cristo
apolítico, passivo, desinteressado socialmente, distante dos problemas e das
misérias do ser humano; um Cristo indefeso, violentado, conspurcado.
Assim como não podemos aceitar a imagem de um Cristo
revolucionário, subversivo, na pior conceituação da palavra, partidário
político ou coisa do gênero, não podemos mais conceber uma cristologia centrada
apenas no pecado, no templo, na lei e entendida como soteriologia
sacrificalista. Um Cristo mostrado de forma espiritualizada, tão-somente
vertical, que só se importa com adoração, penitência e cumprimento da lei, não
é o Cristo do Novo Testamento nem tampouco o Verbo encarnado, que veio libertar
os pobres, os oprimidos, e os sobrecarregados (Mt 11.28) do jugo da injustiça
social, política, econômica e religiosa.
O jornalista Vittorio Messori, citado por Nicola Ciola,
no seu trabalho Ipotesi su Gesù, embora arrepiando alguns postulados
cristãos, contribuiu de fato e sub contraria specie para repropor em
caráter de urgência este grande tema teológico, focalizando muito bem as reais
dimensões da questão em tela: “Constroem-se complexas arquiteturas sobre os
evangelhos, mas são poucos os que procuram certificar-se com quem o ouviu se os
fundamentos existem verdadeiramente. São poucos os que procuram verificar se
ainda hoje está sólida a pedra angular sobre a qual – dizem – baseiam a sua fé
e as suas igrejas. Em toda a história dos homens, Jesus Cristo é o único homem
ao qual o nome de Deus foi associado sem mediações. Mas a este escândalo
inaudito muitos se devem ter acostumado. Simplesmente o dão como óbvio. É como
se o incenso já os tivesse intoxicado”.
Temos que procurar a significação da vida e dos gestos de Jesus.
Isto quer dizer que temos que passar da mensagem de Jesus à vida de Jesus. Mas
não mais às vidas de Jesus, amontoados de textos evangélicos, mas à vida de
Jesus estudada em sua coerência e significação profundas, com todas as
repercussões humanas, sociais e históricas de seus gestos e palavras. Temos que
ultrapassar a imagem fixa e estereotipada de Jesus, que o desliga da realidade
histórica, transformando-o em um puro objeto religioso, destinado somente a
nutrir a veneração.
Temos ainda que valorizar os encontros que Jesus teve com os
dirigentes do povo, como também suas atitudes em relação ao tipo de
religiosidade de sua época. É a partir destes encontros e a partir de certas
atitudes que começam a surgir os conflitos entre Jesus e seus adversários. É
dentro deste quadro, um quadro histórico, no sentido em que Jesus é alguém
inserido na história de seu tempo e de seu povo, que as controvérsias
evangélicas têm sentido. Somente o Jesus da história pode impedir que o Cristo
proclamado se torne um mito, uma gnose, uma ideologia, com ameaça de
subjetivismo. Assim afiança Karl Barth, explicando a presença de Deus
entre os homens:
“O Deus do evangelho não é um Deus solitário,
autárquico e fechado em si mesmo; não é um Deus ‘absoluto’ (isto é, separado
daquilo que não é Ele). É certo que ao lado dele não há nada que possa
limitá-lo e determiná-lo. Mas Ele não é nem mesmo prisioneiro de sua própria majestade,
nem é obrigado a ser somente o totalmente outro’... Ele é de jure e de facto
livre de estar não só ao lado ou acima do homem, mas também perto dele e com
ele, sobretudo de ser Deus para ele, não só como seu Senhor, mas também como
seu pai, irmão e amigo, como seu Deus, isto é, do homem... Um Deus que se
limitasse a dominar o homem, permanecendo afastado e estranho a ele, numa
divindade sem humanidade, não poderia ser senão um Deus dum ‘desevangelho’”.
Et gloria est Dei!
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