sexta-feira, 25 de abril de 2014

O OUTRO É O INFERNO

O OUTRO É O INFERNO

 
 

É de Sartre a sentença lapidar: “O outro é o inferno”.


A razão que leva o então conhecido filósofo existencialista francês a esta intrincada conclusão decorre da diminuição da dignidade humana por parte da sociedade em que vivia. Seja como for, Sartre quer pontuar a difícil convivência de dois seres humanos diferentes ou, ainda, quer ressaltar que o maior inimigo do homem é o próprio homem.  


Não é de hoje que os seres humanos têm dificuldades de se relacionar com pessoas diferentes. Algumas sociedades, severas neste particular, optaram por uma solidariedade grupal. Ou seja, os de “dentro” são “irmãos”; os de “fora” não têm valor.


A ciência da religião, salvo melhor juízo, destaca estes entreveros desde que o cristianismo se tornou um sistema fechado e absolutamente preconceituoso. Na melhor das avaliações do comportamento cristão em face de ter o “outro” completamente estranho para conviver, a intransigência é algo ainda de bom tamanho. Revela, também, a quase impossibilidade de convívio que tem pessoas diferentes.


Os exemplos mais clássicos na história cristã sobre a intransigência, sem sombra de dúvida, são a “Santa Inquisição” e a “Noite de São Bartolomeu”, dois genocídios praticados pela própria igreja. Ainda pode se somar a estas manchas históricas o extermínio de protestantes na ilha de Villegaion ou, ainda, a matança dos índios do Brasil a mando da igreja romana.


Para não ficar apenas com as chacinas cometidas pela Igreja Romana, citamos aqui os massacres impingidos aos romanos pelos calvinistas e algumas igrejas reformadas, com destaque para os anabatistas.


Temos de fato muitos problemas de intransigência, aberrações, fanatismos. A pergunta é: o que fazer para sair desta interminável crise? Uma das mais presentes crises que passa nossa sociedade é o conflito de gerações. Essa desinteligência vem se arrastando pelo tempo afora afrontando as mentes mais brilhantes. Não há aquilo do grupo mais velho abrir passagem para os mais novos que estão chegando.


No livro Fundamentalismo de Leonardo Boff, lemos que

 

“o fundamentalismo não é uma doutrina. Mas uma forma de interpretar e viver a doutrina (...) Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista (...) quem se sente portador de uma verdade absoluta não pode tolerar outra verdade, e seu destino é a intolerância. E a intolerância gera o desprezo do outro, e o desprezo, a agressividade, e agressividade, a guerra contra o erro a ser combatido e exterminado.

 

Assim é caracterizado o fundamentalismo por Luis Mosconi no seu livro Para uma Leitura Fiel da Bíblia:

 

O fundamentalismo caracteriza-se pelas seguintes posturas: O absolutismo: certos princípios devem ser aceitos sem comentários. Não há espaço para dúvidas ou debates. As verdades são imutáveis e estão acima de tudo; a vida deve se submeter a elas. O institucionalismo: as instituições tradicionais são intocáveis: os poderes constituídos, as autoridades, a organização das igrejas, das religiões e das sociedades. As mudanças prejudicam. Portanto nada de renovação. O correto é somente o que vem do passado. O autoritarismo: todo poder é dado a algumas pessoas eleitas pela instituição. Essas pessoas defendem as verdades e a elas deve-se obedecer cegamente, sem discussão. Não há participação democrática. O fanatismo: tudo é visto em função do grupo ao qual se pertence. O que conta em primeiro lugar são os interesses do grupo. Os que não são do grupo devem se conquistados ou rejeitados como pessoas perversas. Existe um clima agressivo, de ataque e defesa, além de uma verdadeira lavagem cerebral... Usa-se uma linguagem ameaçadora e atemorizadora. Fala-se muito em pragas e castigos, em guerra santa contra os infiéis e os inimigos de Deus. O desconhecimento da realidade: as situações históricas não interessam. Não adianta lutar por mudanças sociais ou políticas...provoca fanatismo e resignação.
 

           Afirma ainda Luiz Mosconi sobre o fundamentalismo:

 

...A vida fica amarrada, presa  ao texto, não gera criatividade, é repetitiva. Não leva a uma caminhada de luta em favor da vida do povo. Reduz a Bíblia a um livro sem história, sem passado e sem presente. Não se preocupa com um projeto histórico de transformação. É uma leitura individualizante, ligada a interesses imediatos, em que há muita manipulação e abusos. As pessoas muitas vezes são utilizadas e manipuladas. É uma leitura fora da história, aérea, não situada no contexto sociopolítico. Gera concordismos: procura estabelecer parale- los simplistas com situações de hoje. Não respeita a alteridade da Bíblia, quer dizer, não trata a Bíblia como um texto produzido em outras épocas, em outras situações e culturas. Lemos no evangelho não sinóptico: “E os escribas e fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério. E pondo-a no meio, disseram-lhe: Mestre esta mulher foi apanhada, no próprio ato, adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu, pois, que dizes? (...) aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela” (Jo 8.3,4,5,7).



             Et gloria est Dei!
 
Rev. Paulo Cesar Lima


 

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