É de Sartre a sentença lapidar: “O outro é o inferno”.
A razão que leva o então conhecido filósofo existencialista francês a esta intrincada conclusão decorre da diminuição da dignidade humana por parte da sociedade em que vivia. Seja como for, Sartre quer pontuar a difícil convivência de dois seres humanos diferentes ou, ainda, quer ressaltar que o maior inimigo do homem é o próprio homem.
Não é de hoje que os seres humanos têm dificuldades de se relacionar com pessoas diferentes. Algumas sociedades, severas neste particular, optaram por uma solidariedade grupal. Ou seja, os de “dentro” são “irmãos”; os de “fora” não têm valor.
A ciência da religião, salvo melhor juízo, destaca estes entreveros desde que o cristianismo se tornou um sistema fechado e absolutamente preconceituoso. Na melhor das avaliações do comportamento cristão em face de ter o “outro” completamente estranho para conviver, a intransigência é algo ainda de bom tamanho. Revela, também, a quase impossibilidade de convívio que tem pessoas diferentes.
Os exemplos mais clássicos na história cristã sobre a intransigência, sem sombra de dúvida, são a “Santa Inquisição” e a “Noite de São Bartolomeu”, dois genocídios praticados pela própria igreja. Ainda pode se somar a estas manchas históricas o extermínio de protestantes na ilha de Villegaion ou, ainda, a matança dos índios do Brasil a mando da igreja romana.
Para não ficar apenas com as chacinas cometidas pela Igreja Romana, citamos aqui os massacres impingidos aos romanos pelos calvinistas e algumas igrejas reformadas, com destaque para os anabatistas.
Temos de fato muitos problemas de intransigência, aberrações, fanatismos. A pergunta é: o que fazer para sair desta interminável crise? Uma das mais presentes crises que passa nossa sociedade é o conflito de gerações. Essa desinteligência vem se arrastando pelo tempo afora afrontando as mentes mais brilhantes. Não há aquilo do grupo mais velho abrir passagem para os mais novos que estão chegando.
No livro Fundamentalismo de Leonardo Boff, lemos que
“o fundamentalismo não é
uma doutrina. Mas uma forma de interpretar e viver a doutrina (...)
Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao
seu ponto de vista (...) quem se sente portador de uma verdade absoluta não
pode tolerar outra verdade, e seu destino é a intolerância. E a intolerância
gera o desprezo do outro, e o desprezo, a agressividade, e agressividade, a
guerra contra o erro a ser combatido e exterminado.
Assim é
caracterizado o fundamentalismo por Luis Mosconi no seu livro Para uma
Leitura Fiel da Bíblia:
O fundamentalismo
caracteriza-se pelas seguintes posturas: O
absolutismo: certos princípios devem ser aceitos sem comentários. Não há
espaço para dúvidas ou debates. As verdades são imutáveis e estão acima de
tudo; a vida deve se submeter a elas. O
institucionalismo: as instituições tradicionais são intocáveis: os poderes
constituídos, as autoridades, a organização das igrejas, das religiões e das
sociedades. As mudanças prejudicam. Portanto nada de renovação. O correto
é somente o que vem do passado. O
autoritarismo: todo poder é dado a algumas pessoas eleitas pela
instituição. Essas pessoas defendem as verdades e a elas deve-se obedecer
cegamente, sem discussão. Não há participação democrática. O fanatismo: tudo é visto em função do grupo ao qual se pertence. O
que conta em primeiro lugar são os interesses do grupo. Os que não são do grupo
devem se conquistados ou rejeitados como pessoas perversas. Existe um clima
agressivo, de ataque e defesa, além de uma verdadeira lavagem cerebral...
Usa-se uma linguagem ameaçadora e atemorizadora. Fala-se muito em pragas e
castigos, em guerra santa contra os infiéis e os inimigos de Deus. O desconhecimento da realidade: as
situações históricas não interessam. Não adianta lutar por mudanças sociais ou
políticas...provoca fanatismo e resignação.
Afirma ainda Luiz Mosconi sobre o
fundamentalismo:
...A vida fica amarrada,
presa ao texto, não gera criatividade, é repetitiva. Não leva a uma
caminhada de luta em favor da vida do povo. Reduz a Bíblia a um livro sem
história, sem passado e sem presente. Não se preocupa com um projeto
histórico de transformação. É uma leitura individualizante, ligada a interesses
imediatos, em que há muita manipulação e abusos. As pessoas muitas vezes são
utilizadas e manipuladas. É uma leitura fora da história, aérea, não situada no
contexto sociopolítico. Gera concordismos: procura estabelecer parale- los
simplistas com situações de hoje. Não respeita a alteridade da Bíblia, quer
dizer, não trata a Bíblia como um texto produzido em outras épocas, em outras
situações e culturas. Lemos no evangelho não sinóptico: “E os escribas e
fariseus trouxeram-lhe uma mulher apanhada em adultério. E pondo-a
no meio, disseram-lhe: Mestre esta mulher foi apanhada, no próprio ato,
adulterando. E na lei nos mandou Moisés que as tais sejam apedrejadas. Tu,
pois, que dizes? (...) aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro
que atire pedra contra ela” (Jo 8.3,4,5,7).
Et gloria est Dei!
Rev. Paulo Cesar Lima
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