a Quem realmente matou Jesus Cristo?
a A morte
de Jesus foi predestinada por Deus?
a Qual a abrangência da morte de Jesus?
Dirigido pelo então ator de Hollywood, Mel Gibson, o
filme “Paixão de Cristo”, diferente de todos os demais até então produzidos,
mostra, com fina clareza e vivas demonstrações, a dor, o sofrimento por que
passou Jesus. Mais: mostra, em cenas assustadoramente reais, as ininterruptas
barbáries infringidas contra o corpo indefeso de Jesus, esbagaçando-o
completamente. A ação dos soldados romanos dilacerando o corpo de Cristo é algo
avassaladoramente inominável, e com requintes da mais absurda crueldade. Não há
quem não chore, e que não queira gritar: “Parem! Mudem de cena!”
Sofrimentos à parte, o filme aclara a visão de como esta cena
vem se repetindo ao longo dos séculos sobre aqueles que ousam desafiar ou mesmo
denunciar a maneira imoral de ser dos sistemas religioso, político, social,
econômico implantados na sociedade.
Também fica evidente no filme que a morte dos “cristos” (os
seguidores de Jesus) é produzida quase sempre pelos religiosos, os quais
introjetam no tecido sangüíneo da sociedade o veneno da intolerância e do ódio
compulsórios, que é o germe das piores atrocidades ocorridas na história da
Humanidade.
As cenas, muito bem trabalhadas e editadas, com algumas
inserções spilbergianas, é lógico, têm a seu favor ser, pelo menos até
hoje, o que mais se aproxima da narrativa bíblica encontrada nos evangelhos. Gibson
mostra um Cristo totalmente humano, indefeso.
Paixão de Cristo, com
muita sensibilidade e discernimento, consegue ressaltar certos detalhes comportamentais
das personagens envolvidas, direta ou indiretamente, na história da
crucificação de Jesus, e trazer de volta relevâncias históricas até então
despercebidas. Essa nova leitura tirada
das letras inanimadas das narrativas dos evangelhos, nos obriga a uma releitura
da morte de Jesus. Aliás, a morte de Jesus – o mais atroz homicídio cometido
pelo sistema sacrificalista – não deve ser vista tão-somente com visão sentimentalista,
romântica ou coisa que o valha. Gibson, com o uso de suas robustas
lentes filmadoras, faz-nos rever conceitos antigos sobre as cenas envolvendo o
Calvário. Paradoxalmente, foi preciso o binóculo hollywoodiano para
conseguirmos enxergar o Gólgota de forma diferente, coisa que a própria
Teologia nesses longos anos de atividade pedagógica não obteve sucesso.
A morte de Jesus não se trata apenas de um marco na história
do cristianismo. É mais do que isso. É o
ponto máximo da redenção dos homens. Mas é também o fundamento mimético da
história, que se repete com a morte dos filhos de Deus, os seguidores de
Cristo, na atualidade.
A minha abstração do filme “Paixão de Cristo” é feita a partir
da separação de alguns elementos do conjunto das cenas. Se não, vejamos:
1. Cristo – Sua morte tem cunho teológico –
morreu para salvar o homem pecador. Mas também abrange aspectos sociais e políticos bem relevantes.
Primeiramente, o destaque para a representação da sua morte. Ela aponta a
história dos “cristos” (seus seguidores) que morrem, aqui e ali, por conta de
tentarem ser coerentes com a verdade e a justiça. Segundo, a denúncia feita aos
sistemas de morte tem uma reverberação histórica inextirpável: o que matou
Jesus, continua matando seus “seguidores”. É óbvio que com esta declaração não
pretendo, nem de longe, associar qualquer ação de resgate social com o que
aconteceu no Calvário.
2. Os sacerdotes – Quem mata os “cristos” (os que, com
a vida, imitam Jesus) são sempre os religiosos. Os que vivem da e pela
religião, não aceitam dessemelhança, diferenças na sua estrutura. Ao menor
sinal de diferença, a morte é decretada. A inveja dos sacerdotes, adoração
dissimulada, matou Cristo e mata seus “seguidores” atuais.
3. O povo judeu – O povo, como sempre, é elemento de
manipulação nas mãos das elites. Não consegue ter idéia própria, mas trabalha a
que é fabricada. Diz sim ou não a tudo que o sistema determina. Exemplo: os
“caras pintadas” da época de Collor. Eram apenas bonecos nas mãos de
ventríloquos.
4. Os oficiais romanos – Representam o sistema
desinteressado em fazer justiça. Só querem preservar a imagem. Fazem, sem
escrúpulos, aquilo que o povo deseja, fingindo-se seus cooperadores e ajudadores. Para eles tanto faz soltar Cristo ou
Barrabás. Estão sempre com as mãos sujas, prontas para serem lavadas na bacia
da indiferença e da omissão.
5. Os soldados romanos – São os reprodutores do ódio do
povo. Não têm vontade própria. Matam até irmãos em obediência a ordens dadas,
mesmo as mais estapafúrdias.
6. Os discípulos – Seguem Jesus, mas não conseguem
avaliar o preço deste compromisso.
Aliás, se assustam quando vêem a extensão do seu envolvimento. Nenhum
deles se dignou a sequer carregar a cruz pesada que Jesus carregou.
7. O mal – Nas cenas mais intensas e marcantes aparece
a figura corpori- ficada do mal, sempre por trás ou no meio do povo, querendo
ressaltar que o pior mal é o institucional.
8. O jogo antagônico entre a justiça e
a injustiça – A paixão de Cristo mostra, em cores vivas, que o amor não
pode ser existencialista, mas atemporal para vencer as
“aparências” na guerra entre a justiça e a injustiça. O que Jesus descobriu, e
a descoberta terá uma longa e explosiva história no Ocidente, é o poder da
vítima contra o agressor: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”.
Et gloria est Dei!
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