Há histórias estranhíssimas apontando esta dolorosa
realidade; histórias de pessoas que nada fizeram e nada fazem para serem
melhores e, no entanto, conseguem sempre o mais difícil. Em contrapartida temos
trabalhadores que se esforçam até o seu limite e não levam nada. Eu não estou
falando aqui de probabilidades, mas de fatos avassaladoramente inexplicáveis e
inexoráveis.
É indiscutível dizer que existem algumas mostragens nos
episódios da vida que nos deixam sem qualquer explicação, mesmo que tentemos
explicar. Pior: na tentativa de responder à questão em tela, o fazemos de
maneira simplória. Na realidade, a intenção das explicações simplistas é quase
sempre fechar o assunto acerca do qual não compreendemos e contra o qual nos
sentimos impotentes.
É por essas e outras explicações anestésicas, mas nada
racionais, que acabamos sofrendo do mal de Asafe, o líder dos cantores de Davi.
O cantor de Israel, ao sair um dia do seu casulo existencial
sagrado, enfrentou a pior crise da sua vida. Para ele era algo asfixiante,
esmagador: viu que os “ímpios” (os não religiosos) estavam levando a melhor ao
sabor de uma vida sem Deus. Ele que apostara tudo em Deus parecia menos
privilegiados. O que estava acontecendo?
Na verdade, quando perguntamos se há os que têm mais sorte na
vida, queremos de fato fazer uma outra pergunta: por que o ímpio parece estar
levando a melhor?
Jó e Eclesiastes são os únicos livros – em toda a Bíblia
Sagrada – a ressaltarem uma maneira contrária de pensar a vida do justo e do
ímpio.
Jó, descrito na “torá oral evangélica” como paradigma da
submissão, da suportabilidade, homem de comportamento ilibado em relação à dor,
é a figura mais rebelde do Antigo Testamento. É rebelde na sua maneira de
tratar as interpretações acerca do sofrimento do justo: reclama, combate, insurge-se,
repele qualquer explicação da ortodoxia religiosa, não aceita a dor, reivindica
justiça, chama Deus a um tribunal para uma disputa justa...
A maneira tradicional de pensar o sofrimento de Jó é oposta a
tudo o que está desvelado nas Escrituras Sagradas. Nossos intérpretes – parece
– pegaram o “bonde andando” e agora não sabem para onde vão e nem têm como
pará-lo. Jó, portanto, é a história de dor, angústia, sofrimento que torna o homem mais sagrado
alguém de carne e osso. Além do mais, para Deus vale mais o tratamento do nosso
caráter do que o nosso bem estar.
O autor de
Eclesiastes, por sua vez, abre mão do ortodoxismo do seu tempo e se arremete
contra a dicotomia determinista, que coloca o ímpio sempre em situação
de desvantagem na história. O “pregador” reverbera dizendo que nem sempre isso
é realidade:
“Sim
eu sei que dizem: ‘Se você temer a Deus, tudo lhe correrá bem; mas não correrá
bem para os maus. A vida deles passa como a sombra: morrerão jovens porque não
temem a Deus.’ Mas isso não tem sentido. Vejam o que acontece no mundo:
muitas vezes os bons são castigados, e não os maus; e os maus são
premiados, e não os bons.”
Há
mais de quinhentos anos, um filósofo grego de grande saber, considerado oráculo
dos deuses, já deblaterava que algumas situações por que passamos jamais serão
compreendidas racionalmente. No fundo, o velho filósofo tinha razão. De fato,
nada dói tanto que a dor incompreendida. Primeiro dói porque é dor. E segundo
dói pelo fato de não se saber por que está doendo.
Toda esta inquietação existencial é em face de um axioma
cristão que se constitui premissa fundamental da religião cristã: “Se Deus está
conosco, mal nenhum pode nos ocorrer”.
Partindo deste sufrágio cristão, o questionamento de Gideão
feito ao anjo é justo: “Se o Eterno está com o nosso povo, por que está
acontecendo tudo isto com a gente?” Levando-se em conta que o juiz de
Israel entende – como todos nós – o fato de que a presença de Deus é sempre
razão de vitória - questão fechada e incontestável para muitos cristãos – o que
fazer para entender os fatos contrários?
A partir desta Escritura episódica e do questionamento do
juiz de Israel, entendo que, com urgência, precisamos reler e reescrever o
conceito de sorte e azar na história humana. Isto porque este conceito é
absolutamente relativo. Já que a sorte de hoje pode se tornar no azar de amanhã
e vice-versa. Mais: não há quem viva só de azar nem tampouco de sorte; esses
elementos circunstâncias por vezes se alternam na vida.
Acompanhe o meu raciocínio e descubra a gangorra da vida
entre a sorte e o azar:
Fábio amava Alcione. Mas Alcione nada queria com
Fábio – que azar de Fábio. Depois de tantas tentativas, Fábio consegue
convencer Alcione de se casar com ele – que sorte de Fábio. Após o casamento, o
casal descobre que não pode ter filhos – que azar de Fábio e Alcione. Fábio e
Alcione conseguem tratamento e o esperado filho nasce – que sorte. Após o
nascimento da bela criança, Alcione morre – que azar para Fábio. O menino
Filipe cresce e quando completa a idade de 18 anos o pai lhe presenteia com um
belo cavalo puro sangue – que sorte. A primeira cavalgada com o belo cavalo
Filipe cai e quebra a perna – que azar. Dias depois, chega uma convocação do
exército para o jovem Filipe, para que este se apresente com urgência a fim de
ser enviado para o campo de guerra; Filipe não pode ir pelo fato de ter sua
perna quebrada – que sorte. Filipe...
Como
o leitor pode notar, eu poderia continuar esta história interminável. No
entanto, com ela eu só quero destacar a alternância que há entre a sorte e o
azar e como os dois elementos se ajustam na existência humana, revelando-nos
que não há determinismo em nenhum desses elementos.
Do exposto, para amenizar a dor do leitor, deixo esta palavra
de consolação:
A maioria
dos homens que conseguiram se tornar os mais
ricos do mundo veio das classes menos favorecidas.
Rev. Paulo Cesar Lima
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